Opinião

Misoginia: professor reforça discurso de ódio na internet

Misoginia. O dicionário resume como “ódio ou aversão às mulheres”, ou “como aversão ao contato sexual com as mulheres”. É um sentimento patológico fortemente arraigado a questões culturais. Está atrelado ao machismo e reforça uma crença – claramente equivocada – de superioridade masculina. A misoginia é prima-irmã do sexismo. Alimenta a desigualdade entre gêneros, tolhe a emancipação feminina e impõe à mulher uma condição de subalternidade.

É uma prática pouco inteligente porque não está associada à razão. Logo, títulos acadêmicos fazem pouca ou nenhuma diferença quando o indivíduo está atolado em lamaçal de preconceitos que funcionam como dogmas e que o arrastam a um fundamentalismo praticamente religioso. Veja o caso recente do professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que destilou todo seu ódio a mulheres em uma rede social. Sexta-feira, 9, Francisco das Chagas Fernandes Guerra, com linguagem chula, mostrou o quanto é rasa sua visão de mundo.

Quando fez chacota da jornada dupla (ou tripla) de tantas mulheres que, muitas vezes, sustentam suas casas sozinhas, o professor ignorou o retrato real de um Brasil desigual. Comprovadamente, mulheres têm uma jornada bem mais exaustiva que homens. De acordo como o IBGE, elas trabalham em média 3,1 horas a mais que eles na semana. São quase 13 horas a mais em mês por causa dos filhos e afazeres domésticos. Mulheres também ganham menos e ocupam menos cargos de chefia apesar de serem maioria com formação superior.

Quando atacou mulheres que lutam por respeito, igualdade de condições, de oportunidades e de salários dando ênfase aos atributos físicos que, em tese, tornariam os homens superiores, o professor não mostrou só sua mediocridade intelectual e moral; mostrou que Paulo Freire – desprezado por negacionistas e revisionistas de plantão – estava mesmo coberto de razão: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

Ainda na publicação que fez, quando se refere ao órgão masculino, o professor em questão, demonstra sua ideia de sexo como subjugação e reduz a importância do papel social da mulher. Quando compara a mulher a uma cadela e a chama de “quenga”, mostra todo o seu desprezo. É para ofender, diminuir. Mais uma vez: é para corroborar sua visão distorcida de mundo que coloca a mulher como ser inferior. Narrativa extremamente conservadora e atrasada porque preserva conceitos/condutas que não dialogam com os avanços do século 21 e toda sua ciência e tecnologia.

Opressão não combina com educação, é verdade. Mas historicamente, em diferentes culturas, a mulher sempre ocupou papéis secundários na sociedade. Foi reduzida a objeto sexual, a procriadora. Foi usurpada de direitos básicos. Opinar, estudar, questionar, escolher, sentir prazer? Quantas morreram lutando contra os mais diversos tipos de violência! Mulheres não tinham direitos sociais, políticos, econômicos…

A Revolução Industrial, no século XIX, ajudou a inserir a mulher no mercado de trabalho, mas não desconstruiu ou combateu preconceitos. O direito ao estudo, ao voto, à eleição foram conquistas importantes, mas sempre encontraram forte resistência na sociedade patriarcal. Ainda assim, a luta por direitos iguais tem sido uma marca nos países de regime democrático e tem pautado debates em todo o mundo. Movimentos progressistas que falam e tratam do empoderamento feminino surgem em toda parte em uma onda que ganhou o nome de primavera das mulheres. Todavia, à medida em que essas vozes se levantam, outras tentam abafá-las.

Nos últimos anos, com a ascensão da extrema direita nos Estados Unidos, Rússia, Itália, Hungria, Israel, Brasil e outros países do mundo – incluindo a América Latina – o racismo, o machismo, a misoginia, intolerância e toda sorte de preconceitos parecem ter virado moda. É um contramovimento – reacionário, hostil, agressivo e virulento – que se espalha com a ajuda das fake news. É fácil ver quem se identifica porque o discurso é motivado pelo ódio, pelo ressentimento, pela exaltação de atributos sexuais, pelo ataque às minorias e aos mais fracos, pelas teorias de conspiração e caça aos ‘inimigos’. Qualquer semelhança com a declaração do professor Francisco das Chagas Fernandes Guerra não é mera coincidência. E não se pode normalizar esse tipo de conduta.

Na Assembleia Legislativa, as deputadas Cida Ramos, que preside a Comissão Parlamentar de Inquérito do Feminicídio, e Camila Toscano, presidente da Comissão de Direitos da Mulher, emitiram nota de repúdio ao professor Francisco das Chagas Fernandes Guerra. Lembraram que “as palavras impertinentes, misóginas e vergonhosas proferidas pelo professor são de profunda desconsideração à dignidade das mulheres, ecoando um discurso que permite, sanciona e incentiva a violência doméstica, o feminicídio e todas as formas de abuso, psicológico ou físico, que insistem em diminuir a nossa existência e a nossa moral”.

Diante da repercussão do caso, a UFCG também emitiu uma nota assinada pelo reitor Vicemário Simões, onde ele não só “repudia o ato desrespeitoso como também manifesta solidariedade às pessoas e aos coletivos que foram desrespeitados pelas mencionadas manifestações”. O reitor afirma que a Universidade é plural” e que a conduta do professor vai ser investigada.

São dois posicionamentos importantes. Investigar é preciso, e combater a misoginia e o discurso de ódio, fundamental. Ainda mais porque estamos falando de alguém que representa umas das mais importantes instituições de ensino do Brasil. Que o professor tenha direito ao contraditório, mas que este não seja mais um exemplo de impunidade. Ele não foi apenas antiético, foi criminoso. Sim, misoginia é crime (desde 2018 é da Polícia Federal a responsabilidade de investigar conteúdo misógino na internet – Lei nº 13.642/2018). E se a educação não foi capaz de libertar esse professor das garras da ignorância, que a justa aplicação da lei e a devida punição possam ensiná-lo que respeito é bom, e que ele não está acima de ninguém.