Opinião

Conservador: esse é o perfil do eleitor em 2020

Reacionário e altamente influenciado por questões morais. Esse é o perfil da maioria do eleitor brasileiro de acordo com pesquisa recente feita pelo Instituto Travessia. O levantamento mostra uma tendência mais à direita na definição de voto nas eleições municipais. Por exemplo, para 33% dos 1.110 entrevistados mais importa um político honesto que sua capacidade de gestão (29%) ou a transparência nas ações e informações (21%). É uma contradição. Se honestidade está atrelada à não-corrupção, a transparência é condição precípua para o combate a essa mesma corrupção.

É também um grande equívoco. Ser honesto é importante, mas não basta. Um prefeito precisa de mais! Tem que ter capacidade de gestão para administrar bem o orçamento e os serviços púbicos. Precisa identificar problemas e potencialidades do município, aproveitar as oportunidades de fomento que tragam crescimento e desenvolvimento, e trabalhar para reduzir desigualdades. Um gestor também precisa de capacidade de articulação política para manter a governabilidade no parlamento. Sem isso, mesmo que seja honesto, pode cair.

Voltando à pesquisa. A maioria dos entrevistados (28%) se coloca como conservador. Liberais e socialistas são 19% cada. Progressistas (9%) e comunistas (3%) aparecem de forma mais tímida; 22% não souberam dizer. Quanto à preferência: 32% dos entrevistados preferem um político de direita; 20% se identificam mais com político de esquerda. Juntos eles representam mais da metade do eleitorado. Para apenas 16% dos entrevistados os favoritos são políticos de centro. Não fazem ideia: 32% – número expressivo motivado por desinteresse e/ou falta de intimidade com o tema.

Há uma incongruência nos números apresentados na pesquisa, no entanto. Socialistas, progressistas e comunistas integram um mesmo campo ideológico, o da esquerda. Logo, esse grupo precisa ser pensado junto e juntos somam 31%. Esse recorte não pode ser desprezado e prova de que não há uma desidratação tão profunda da esquerda no Brasil. É exatamente o retrato do Brasil desde a redemocratização. Temos um país fatiado, de acordo com o sociólogo e analista político David Soares, mais ou menos, da seguinte forma: “1/3 direita, 1/3 esquerda e 1/3 do meio, que oscila para um polo ou para o outro de acordo com a conjuntura”.

Os números trazidos agora são resultado ou sintoma direto da crise econômica e política no país – crises tendem a provocar reações à direita. Mais que isso! Elas acabam aprofundando a velha dicotomia entre o bem e o mal. David Soares reforça: “nos últimos 5 anos, o polo aglutinador da sociedade tem sido o polo conservador, à direita, e isso tem provocado uma nova hegemonia. De fato o Brasil está mais conservador do que estava na década de 2000, exemplo”. Estudos têm mostrado que quando um sistema entra em colapso, provoca cansaço, gera desconfiança do eleitor que procura soluções rápidas para os problemas que o afligem. Mostram ainda que as sucessivas crises, inclusive a de credibilidade nas instituições, fertilizam terreno para políticos populistas que pregam o anti-establishment. São essas figuras que se apropriam da narrativa anticorrupção para ludibriar o eleitor com discurso altamente ideologizado. Problema: o voto que se pauta única e exclusivamente na questão ideológica caminha na direção oposta ao chamado voto consciente ou racional, refletido, pensado.

O que tiramos dessa pesquisa então? Que 2020 deve repetir 2018, com debate polarizado e emocional. O eleitor médio, ou eleitor massa, não deve fazer uma escolha ponderada. Os candidatos populistas e seus marqueteiros já entenderam isso. Não à toa sustentam a bandeira do combate à corrupção e fazem o eleitor acreditar que esse é o maior dos nossos problemas quando não é – um sistema que sustenta desigualdades e provoca desequilíbrios e pobreza é ainda mais nocivo.

Vamos a outros números da pesquisa Travessia. O Instituto perguntou se os entrevistados votariam em um candidato apoiado por Bolsonaro. A maioria (43%) disse que não votaria de maneira alguma, mas 53% disseram que votariam com certeza ou que poderiam votar. Quando a pergunta é relacionada ao ex-presidente Lula, 33% disseram que votariam com certeza ou poderiam votar em um candidato apoiado por Lula. Chama atenção o percentual daqueles que não votariam de maneira alguma: 62%. Estamos falando mais de rejeição que de qualquer outra coisa, e há aí um caráter moral que passa pelo recrudescimento do antipetismo, pela criminalização da política, pela politização da justiça e pelo cansaço citado anteriormente. Não é fato novo, mas vem aparecendo com mais força desde o avanço da extrema direita, dos últimos escândalos políticos, da proliferação das fake news e da pós-verdade. A menos de um mês das eleições, esses fatores, juntos, devem pesar na decisão do eleitor mais que qualquer proposta, mais que qualquer projeto. Com o perdão da expressão: é triste, mas é verdade.