Opinião

Autonomia em xeque, educação sob ataque

A nomeação do professor Valdiney Veloso para a Reitor da Universidade Federal da Paraíba gerou protesto em João Pessoa. Não só porque ele foi o menos votado entre servidores e estudantes na consulta pública realizada em agosto, mas porque não conseguiu arrancar um único voto dos professores que integram o Conselho Universitário (Consuni), o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe e o Conselho curador. Ou seja, foi rejeitado por toda a comunidade acadêmica. Ainda assim, acabou sendo o escolhido por Jair Bolsonaro entre os nomes da lista tríplice enviada ao presidente.

Escolha ideológica. Professor Valdiney defende parcerias com empresas privadas para o financiamento do ensino superior e a gestão da Universidade. Segundo ele, isso aumentaria a autonomia da Instituição. Veja a proposta: https://www.ufpb.br/consulta/contents/documentos/documento-de-inscricao/valdiney-veloso-gouveia.pdf

 Qualquer semelhança desta proposta com o Future-se, projeto do governo federal para as Universidades e Instituto Federais do país, não é mera coincidência. A ideia é criar Fundos de investimento, Parcerias Público-Privadas (PPP) e privatizar o patrimônio imobiliário. Organizações Sociais (OS) fariam toda a gestão. Um plano que encontra forte resistência entre docentes, gestores e alunos. Primeiro porque foi feito sem qualquer diálogo com a comunidade acadêmica. Depois, porque abre espaço para contratação de professores via OS e sem concurso público, e transforma esses mesmos professores em captadores de recursos, desprezando a produção do conhecimento. Não há dúvidas: a natureza do Future-se é a de submeter a universidade pública aos interesses do mercado.

Nada é fruto do acaso. A Universidade pública tem perdido recursos e enfrentado ataques sistemático. O resultado dos cortes sucessivos é o sucateamento de suas instalações, a redução de bolsas de pesquisas… Ainda assim, mesmo diante desse quadro, a produção de conhecimento continua a todo vapor.  Levantamento feito pela Clarivate Analytics mostra que 99% de toda a produção científica do Brasil é feita nas Universidades públicas. Entre as instituições que mais produzem, as federais se destacam.  As principais pesquisas são nas áreas de neurociências e imunologia, agronomia, farmacologia e toxicologia, microbiologia, ciências sociais de acordo com a Thomson Reuters. E não custa lembrar: todo investimento que se faz em educação, tem retorno garantido.  A pandemia da Covid-19 deixou isso evidente.

Sendo assim – e já que perguntar não ofende – por que fragilizar competência dessas Instituições, atropelar sua autonomia gerencial, financeira, orçamentária e pedagógica para investir em empresas privadas? Parafraseando James Carville, marqueteiro de Bill Clinton: é a ideologia, estúpido![i] Me perdoem o trocadilho, mas foi inevitável. Há um projeto claro de instrumentalização ideológica do Universidades públicas – e do Estado.

Para frear o avanço dessa intervenção e garantir o respeito à regra democrática – pelo menos no que diz respeito à nomeação de reitores, o PV entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a autonomia das universidades e institutos federais, e o respeito às listas tríplices com a escolha do “docente indicado em primeiro lugar”. Disse mais: a “prerrogativa do presidente da República de nomear reitores e vice-reitores das Universidades federais(…) não se trata de uma faculdade dispositiva, mas de um poder-dever (…). Este poder-dever não deve ser entendido como instrumento de controle”.

Resumo da ópera: docentes escolhem, presidente nomeia. Simples assim. Só que não. Não em tempos de ameaças à democracia, de desrespeito às normas constitucionais e à tradição. Neste último caso, uma contradição de quem costumeiramente se pauta pelos costumes.

É fato que o Brasil nunca foi modelo de democracia – objetiva e substantivamente falando. Basta ver que apenas dois presidentes concluíram seus mandatos desde o fim do regime militar: FHC e Lula. Logo, a regra aqui sempre foi o autoritarismo. Sendo assim, o que esperar de um presidente com mentalidade arbitrária e castrense? Acreditar no respeito às regras democráticas é mais que otimismo. Beira a ingenuidade.  Mas acreditou-se. Acreditaram. O resultado: frustação, conflito e protesto. A judicialização do processo não é garantia de nada. Por enquanto está valendo a canetada do presidente. Então, apertem os cintos e salve-se quem puder. Não há sinal de mudança na rota dos ventos.

 

 

[i] “É a economia, estúpido!” Essa é a frase original, de 1991, durante a campanha eleitoral entre Bill Clinton e George Bush.