Opinião

Eleição no Congresso: o “toma lá dá cá” e as incertezas no presidencialismo de coalizão

Por Rejane Negreiros

Ninguém governa sozinho. Jair Bolsonaro (sem Partido) custou para compreender isso. Em busca de entendimento com um Legislativo que o beneficie, tratou de interferir na eleição para a presidência da Câmara Federal e do Senado. Trocou apoio por emendas e conseguiu eleger seus candidatos com folga: Arthur Lira (PP), na Câmara Federal, e Rodrigo Pacheco (DEM), no Senado. No fisiologismo é assim, onde dinheiro entrar e não resolver é porque foi pouco. Nesse caso, foi muito, o maior valor já liberado em emendas a parlamentares no período de acordo com o portal do Siga Brasil (Senado): R$ 504 milhões.

A investida de agora vai no sentido inverso ao modo Jair Bolsonaro de governar, sempre forjado no dissenso e no conflito. Isso porque ele foi arauto de algo novo, inaugurado com as eleições de 2018. Segundo o sociológo e cientista político Sérgio Abranches, Bolsonaro “rompeu o eixo político-partidário que organizou governo e oposição nas últimas seis eleições  e acelerou o processo de realinhamento partidário que já estava em curso, pelo menos, desde 2006″. Em miúdos, Bolsonaro desmontou o presidencialismo de coalizão.

Desmontou porque nunca esteve inteiro. A harmonia entre os Poderes é artificial, e o presidencialismo de coalizão é uma tentativa, desde a redemocratização, de acomodação de interesses entre Executivo e Legislativo em nome da governabilidade. Com a Constituição Federal de 1988 e o presidencialismo, buscou-se um pacto institucional que ameniza mas não dilui as tensões dessa relação espinhosa por natureza – tensões que se agudizam com o aumento da fragmentação partidária.

Note que a regra da coalizão é a instabilidade. As relações pouco se pautam pela ideologia. Resta o pragmatismo em forma de clientelismo. Em outras palavras, o “toma lá dá cá”.  Foi o que se viu agora com as eleições no Congresso. Ocorre que esta é uma disfunção que traz como resultado a perda de qualidade das políticas públicas. Resumindo: a coalizão seria a fórmula básica e necessária da governabilidade em um universo de interesses divergentes, mas a barganha autorinteressada é outro de seus efeitos colaterais.

Tem  mais: coalizões têm um preço, e a redução média das bancadas tradicionais somada à pulverização de partidos não só encarecem as negociações como as tornam mais desgastantes porque fulanizam os acordos. Isso explica o valor exorbitante da negociata entre presidente e parlamentares em troca de votos para Lira e Pacheco. Com aliados no Congresso, Bolsonaro não precisa manter acesa a chama do discurso antissistêmico e ainda tem espaço para negociar a agenda cujo controle está nas mãos do presidente da Câmara. Há ainda um terceira via que pode explicar essa reaproximação acelerada:  evitar mais desgaste e uma ruptura institucional que, a preço de hoje, sem maioria, com popularidade em baixa, poderia custar o mandato.

Pergunta: o presidencialismo de coalizão já pode respirar aliviado com esse reagrupamento? Qualquer aposta nesse sentido é precoce. O que orienta Bolsonaro não é bom senso, é instinto de sobrevivência política. Fato é que o modelo vem dando sinais de fadiga estrutural. Tanto mais aumenta a fragmentação partidária, mais cresce a necessidade de novas coalizões, de mais concessões, o que leva a um sério comprometimento fiscal e à frustração da população que não consegue enxergar na política um fator gerador de melhorias em suas vidas.

Há, entretanto, um indicativo de mudança face à autonomia adquirida pelo Congresso, e esse movimento sugere uma transição do modelo para uma espécie de presidencialismo de coalizão mais parlamentarista no qual o poder do governo se limitaria ao poder de veto, especialmente naquelas pautas de ordem fiscal.  Não há consenso quanto a esta teoria, mas há correspondência quanto à tese de que o começo da mudança, ou da crise, se deu com a eleição geral de 2018.

Crises emergem quando o status quo se torna insustentável e nada ainda o substitui.  A eleição de Lira e Pacheco será o remédio para dirimir conflitos e estabelecer diálogos e consensos que marcam a tradição republicana? Difícil uma previsão de longo alcance quando estamos falando de algo em que o Centrão esteja envolvido. Não há qualquer garantia de nada porque não há, amiúde, sinais de de reparação e de um novo alinhamento mais estável das relações institucionais. A corda permanece esticada e o futuro é incerto.