Notícias, Opinião, Reportagem Especial

Fizemos as contas: diferente do que afirmou Bolsonaro, PB recebeu menos de R$ 700 mi do governo federal para enfrentar COVID-19

Por Rejane Negreiros e Daniel Macêdo

Em 28 de maio de 2020 foi publicado do Diário Oficial da União a Lei Complementar  (LC) nº 173. Criava-se ali o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2, um socorro financeiro de R$ 60 bilhões para  Estados e Municípios em crise provocada pela pandemia da Covid-19. A LC, aprovada aprovada pelo Congresso, previa ainda negociação de empréstimos e suspensão de dívidas com a União, e foi sancionda com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro.

Os recursos seriam pagos em 4 parcelas. Conforme previsão legal, o último repasse foi feito em setembro. À Paraíba, conforme anexo à lei, foi reservado inicialmente o valor de R$ 448.104.510,66. Veja a tabela divulgada junto com a LC 173:

O texto da lei, no entanto, cria um mecanismo flexível para repassar os recursos conforme a necessidade de cada Estado. Os artigos 5º, 6º: § 6º estabelecem que “o cálculo das parcelas que caberão a cada um dos entes federativos será realizado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), sendo que os valores deverão ser creditados pelo Banco do Brasil S.A. na conta bancária em que são depositados os repasses regulares do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e do Fundo de Participação dos Municípios”. No mesmo sentido, o § 1º do artigo 5º diz que “os recursos previstos no inciso I, alínea “a”, inclusive para o pagamento dos profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Assistência Social (Suas), serão distribuídos conforme os seguintes critérios:

I – 40% (quarenta por cento) conforme a taxa de incidência divulgada pelo Ministério da Saúde na data de publicação desta Lei Complementar, para o primeiro mês, e no quinto dia útil de cada um dos 3 (três) meses subsequentes;

II – 60% (sessenta por cento) de acordo com a população apurada a partir dos dados populacionais mais recentes publicados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em cumprimento ao disposto no art. 102 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992.”

Essa brecha criada pela lei permite a ampliação de repasses de acordo, por exemplo, com o número de casos de Covid-19 registrados em cada Estado. De acordo com Jair Bolsonaro, em publicação do dia 28 de fevereiro em sua rede social no Twitter, a Paraíba recebeu mais de R$ 21 bilhões para o enfrentamento à pandemia.

O governador da Paraíba, João Azevêdo, rebateu. Também pelo Twitter afirmou que Bolsonaro manipulava os números, que o Estado jamais recebeu R$ 21 bilhões, porém, Azevêdo não disse quanto foi transferido pelo governo federal. O Blog foi em busca de informações oficiais das transferências feitas para os entes federados pela União em 2020. A primeira dificuldade: a página da transparência que deveria trazer os valores dos repasses para o combate à pandemia foi dada como inexistente.

Procuramos a secretaria de Saúde do Estado. De acordo com Daniel Beltrammi, secretário executivo, o levantamento dos valores repassados à Paraíba está sendo feito para divulgação posterior à imprensa: “vamos liberar um release (material informativo) com uma análise consolidada com todas as ações e empenhos do governo muito em breve”, disse.

A estratégia seguinte foi buscar informações sobre o montante repassado à Paraíba por meio das transferências constitucionais para, depois dessa garimpagem, chegar ao valor do auxílio.

O que descobrimos – 

A Secretaria do Tesouro Nacional creditou os recursos correspondentes às parcelas do auxílio financeiro emergencial (LC 173) nas mesmas contas do Fundo de Participação do Estado (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), para Estados e Municípios. Aí começa a confusão do discurso oficial.

Pelo twitter, Bolsonaro informou que o governo pagou R$ 6,57 bilhões em auxílio e mais R$ 21, 2 bilhões para o enfrentamento da pandemia à Paraíba, mas, com base em informações do próprio Tesouro Nacional, o valor real tranferido ao longo de 2020 foi de R$  639.144,71

Qual o sentido da publicação de Bolsonaro?

Depois da informação devidamente checada, a opinião. Está claro que a notícia falaciosa serve a um propósito. A política da desinformação não é nenhma novidade quando o assunto é o presidente da República. Com manipulação dos números, Jair Bolsonaro insinua que os recursos, face ao recrudescimento da pandemia no país, estariam ou teriam sido desviados pelos governadores. É a lógica da instabilidade, do eterno conflito. Ele cria um fato alternativo que facilmente se desmonta com a análise dos números disponíveis na própria página do Tesouro, mas que serve como instrumento mobilizador de sua militância. Mente  porque sabe que terá plateia de um lado e retardo do outro, neste caso, dos próprios gestores estaduais. A publicação contendo valores completamente distorcidos foi feita em um domingo. Governadores só reagiram na segunda-feira (01), em uma nota que reuniu 16 assinaturas, três delas de aliados:  Cláudio Castro (PSC), governador do Rio de Janeiro; Ratinho Júnior (PSD), do Paraná; e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás.

O modus operandi de Bolsonaro já foi decifrado. “Prioridade parece ser criar confrontos”, afirmaram os chefes de Executivo estaduais na nota. O que fica claro, além disso, é que esses mesmos governadores ainda não sabem como lidar com isso. Não conseguem responder à ofensiva à altura porque a arma de Bolsonaro é a mentira. O governo federal não atuou na coordenação das ações de enfrentamento à pandemia e agora age para transferir responsabilidade para Estados e Municípios.  Mais uma vez Jair procura desviar o foco da inação de sua gestão, das decisões atropeladas de seu Ministro da Saúde – que sabemos, segue apenas ordens – espalhando notícias cheias de inconsistências de forma intencional. Claro, isso tem outro nome: fake news.

Boa parte de nós já parece vacinada para esse tipo de conduta virulenta. Outra parte, não. Parcela considerável da população é tão sugestionável que acaba depostitando fé na mentira. É com base nisso que Bolsonaro insiste na fórmula que o elegeu. Promover divisão, criminalizar a política e se colocar como antissistema. Logo ele que comprou a governabilidade com a turma do Centrão.  Há, no entanto, um remédio – esse, sim, profilático – contra a desinformação: a boa informação. Vivemos em um mundo onde tudo pode ser checado. Foi isso que o Blog fez. Buscou os números na fonte, sem atravessadores, e chegou aos fatos. Não os alternativos, que maqueiam a verdade, mas àqueles que correspondem à verdade.

Como ensinou Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte Americana, ‘’a publicidade é justamente elogiada como remédio para doenças sociais e industriais. A luz do dia é considerada o melhor dos desinfetantes”.