Opinião

Pandemia da covid e economia: o efeito boomerang na Paraíba

Por Rejane Negreiros

A Paraíba deu um salto no número de municípios em bandeira amarela. Saiu de zero na última avaliação para 187, o que representa 84% do território paraibano em tendência de queda de contaminação. É o que mostrou a 23ª avaliação do Plano Novo Normal Paraíba divulgado no fim de semana. Os números são resultado direto das medidas restritivas adotadas pelo governo do Estado para reduzir a circulação de pessoas, a taxa de transmissibilidade da doença e a ocupação hospitalar. O balanço mostra ainda que os municípios em bandeira amarela tiveram redução de 80%, saindo de 94 para 14; e os de bandeira vermelha representam agora 2%. São eles: Prata, Santa Terezinha, São José do Bonfim, São Mamede e Uiraúna.

Foi com base nesse cenário que o governo do Estado renovou no último sábado (17) decreto que  orienta as atividades na Paraíba até 2 de maio e liberou, a partir desta segunda-feira (19), aulas presenciais e remotas (sistema híbrido) na rede privada para alunos do infantil e fundamental,  para concluintes de curso superior e alunos com transtorno do espectro autista (TEA). Para todo o resto da educação, pública e privada, aulas exclusivamente remotas. Nada muda, no novo decreto, com relação ao funcionamento de bares, restaurantes e similares, de shoppings, academias, salões de beleza, à realização de cultos e missas. Veja o decreto aqui.

O que vemos é o efeito boomerang, já previsto desde o início da pandemia, em março de 2020, que nada mais é do que o exercício de restringir e flexibilizar de acordo com a situação epidemiológica. Uma tentativa de equilibrar duas necessidades: salvar vidas e manter atividades econômicas em movimento em um momento que o desemprego e o desalento batem a casa de 20 milhões de brasileiros (IBGE) . A abertura não exime a todos nós, contudo, de continuar usando máscara e de abandonar comportamentos de risco que, cotidianamente, têm alimentado o mal. Ainda não há vacina para todos; leitos de enfermaria e terapia intensiva têm limite. A Paraíba hoje conta com 1.234 leitos ativos, 549 só de UTI de acordo com a Secretaria de Saúde e, mesmo que isso fosse suficiente, a estrutural de pessoal capacitado para lidar com os enfermos é finita. Além disso, a taxa de letalidade do vírus é alta: 2,3%. Há um ano, quando a taxa de letalidade da doença no mundo beirava 0,6%, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já a considerava  “muito alta”.

Por mais que a situação dos municípios paraibanos atualmente traga certo alívio em relação ao levantamento anterior e até mesmo em relação ao resto do país, com 27% de redução no índice de mortes de acordo com o consórcio de veículos de comunicação, relaxar é uma medida controversa. Isso porque no Brasil a pandemia não dá trégua e tem piorado nos últimos meses por uma série de fatores que podem ser resumidos na negação da covid por parte do presidente e no conjunto de ações e omissões que renderam uma CPI no Senado para investigar a gestão federal. Há menos de um mês concentrávamos 34,3% das mortes no mundo; agora são 37% apesar de representarmos menos de 3% da população mundial. Em um único dia, morreu mais gente no Brasil do que em continentes inteiros em 1 ano segundo levantamento do site Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Em conversa recente com o secretário executivo de Saúde da Paraíba, Dr. Daniel Beltrammi, ele disse: “uma pandemia leva 5 anos, em média, para ser controlada”. Significa que ainda teremos longos dias pela frente lutando contra cepas de um vírus que se fortalece quanto  mais nos aglomeramos e tentando sobreviver sem a proteção que avança em outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, que não têm o sistema de saúde que tem o Brasil, já aplicou 209,41 milhões de doses de vacina; A China, 192, milhões; A Índia, 123, 85; Aqui, até agora, 32,81 milhões de doses aplicadas (Our World in Data).

O ritmo lento de vacinação local retarda o desenvolvimento da economia. Em 2020, a inflação esteve acima do centro da meta estabelecida pelo Banco Central (BC). Nos primeiros três meses do ano, a alta do preço dos alimentos puxou a inflação para cima apesar da recessão provocada pela redução das atividades econômicas e a queda dos empregos. A recessão inflacionária pede vacinação em massa, mas o Brasil não tem vacina e não tem porque não se antecipou quando devia e não as garantiu quando podia. E não o fez porque não se planejou ao subestimar o tamanho do problema, politizar a questão e tratar a covid como uma gripezinha à base de cloroquina.

Compreender esse cenário é importante para entender porque gestores estaduais têm optado pelo relaxamento de medidas restritivas quando sabem que, essas medidas, na prática, salvam vidas. As máquinas (e as pessoas!) não podem parar diante do quadro de absoluta incerteza. Essa é a mensagem que passam. Esse é efeito boomerang na prática marcado por uma “esperança equilibrista”* que arrocha e depois afrouxa só pela convicção de que, por hora, não há outro caminho. Usar o trecho de uma das músicas que marcaram fase das mais sombrias de nossa história parece apropriado para o momento obscuro que atravessamos. Nos resta, então, não a convicção mas a certeza de que insistir no autocuidado por puro instinto de preservação é tarefa que se impõe. Não há previsão ainda de avanços significativos na vacinação da população. O que se comemora hoje, com a mudança de cor das bandeiras na Paraíba de laranja para amarela, é meramente transitório e “a esperança, literalmente, dança na corda bamba de sombrinha”*.

*Trecho de O Bêbado e o Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco