Opinião

Ricardo Coutinho: situação jurídica do ex-governador não o impede de fazer política

Há uma semana o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a ação movida contra o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) por prática de caixa 2 na eleição 2014 fosse transferida para a Justiça eleitoral.

A Procuradoria Geral da República (PGR) recorreu sob o argumento de que Ricardo Coutinho pulou instâncias e foi direto ao Supremo. Pediu que Gilmar reconsidere a decisão, que a rejeite ou julgue improcedente. Pouco provável que funcione.

É que Mendes não inventou a roda, tampouco trouxe nova interpretação da lei ou agiu para beneficiar Ricardo como alguns disseram. Esse tipo de discurso tem finalidade específica: é ótimo para aplacar a sede de determinados grupos e da opinião pública que surfa na onda das soluções fáceis. Só.  Ao contrário, o ministro aplicou o direito, literalmente. O juízo da 3ª Vara Criminal de João Pessoa não tem competência para julgar questões eleitorais, ou seja, não é o juiz natural.

Por falar nisso…

Muito recentemente também a 2ª Turma do STF julgou Sérgio Moro, o ex-juiz da Lava Jato, incompetente para julgar o caso Lula e o triplex do Guarujá exatamente porque ele não era o juiz natural. A ação foi para Brasília. Por simetria, assim podemos dizer, o entendimento serviu a Ricardo Coutinho.

Resultado…

A decisão de Gilmar assanhou Ricardo que voltou à cena do debate eleitoral como pré-candidato ao Senado pelo PSB. Faz agora o que foi aconselhado por muitos a fazer  em 2014. Apesar de ser um quadro fortíssimo politicamente, capaz de reunir militância e apoio, a situação do socialista é juridicamente complicada. Não faz muito tempo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve a condenação de Ricardo por contratação de servidores sem concurso público, via CPF – os chamados codificados. RC teve os direitos políticos suspensos por 8 anos em 2020 . Pela lei da Ficha Limpa está inelegível.

Já pela Constituição Federal…

A Carta de 88 em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece o princípio da Presunção da Inocência. Em síntese: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.  É nisso que Ricardo se apega.

Mas…

A decisão de Mendes não muda em nada a situação do ex-governador. Não zera o jogo, nem reverte seu quadro.  Esse é o entendimento de especialistas em direito eleitoral com quem tenho conversado. No entanto, a simples manifestação do desejo de Ricardo Coutinho de disputar o pleito deixa muitos de seus desafetos em polvorosa. Isso porque ele embaralha qualquer jogo, tem o poder de concentrar as atenções e até, gostem ou não, de dar as cartas no debate. Apesar do desgaste, Ricardo não definhou politicamente porque está sem mandato.

Mas parte 2…

Até as eleições, tudo é um grande limbo e a corrosão na imagem do socialista pode se acentuar ao ponto da insustentabilodade. Nesta sexta-feira (04), por exemplo, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB) vai julgar as contas de 2017 da gestão Coutinho (PSB). Se seguir o parecer do Ministério Público, o resultado vai ser reprovação e o impacto eleitoral e político disso é indiscutível.

Voltando à Lava Jato…

Ricardo Coutinho é réu na Calvário. A Operação acusou, prendeu, negociou delações de uma série de pessoas ligadas ao ex-gestor. Dois anos depois das investigações, no entanto, não avançou nem provou a efetiva participação de todos os envolvidos em suposto esquema de corrupção que desviou, segundo o MP, R$ 134,2 milhões da saúde e da educação no Estado. Pelo modus operandi, a Operação recebeu uma enxurrada de críticas porque estaria atropelando o devido processo legal e usando o direito como instrumento político. Seria a lavajatização da Calvário. Uma coisa é certa: se há indícios da prática de crime de um lado, há também de excessos e abusos do outro, e num estado democrático de direito uma coisa não pode justificar a outra.

“E o que será o amanhã?

Responda quem puder”.  O que se sabe é que ainda não há outra liderança política que ocupe os espaços que Ricardo pode ocupar. Mesmo que não possa disputar o Senado, ele é peça importante de interlocução com a política nacional, conhece e sabe lidar com os adversários, tem um grande recall que o credencia a algumas funções como a de coordenar a campanha de Lula na Paraíba, por exemplo, e atuar na montagem da chapa. Ele fez isso em 2018. Não é pouca coisa.