Opinião

Junho acabou, mas não pode haver trégua no combate à intolerância no país que mais mata LGBT no mundo

Em 2 de janeiro de 2019 a população LGBTQIA+ foi retirada da lista de políticas e diretrizes de promoção dos direitos humanos por meio de medida provisória assinada pelo presidente da Repúlica. Desmonte que tornou ainda mais vulnerável uma comunidade historicamente excluída e vítima de toda sorte de preconceito e violência. Somos o país que mais mata gays, lésbicas e pessoas trans no mundo. No Brasil, a cada 19 horas um LGBTQIA+ é morto. Os dados são levantados há 40 anos pelo Grupo Gay da Bahia. A Rede Trans Brasil apresenta outro número igualmente preocupante: a cada 26 horas uma pessoa trans é assassinada no país. Esse cenário de completa barbárie fez o Supremo Tribunal Federal tomar posição depois que duas ações foram movidas pelo PPS (hoje, Cidadania) e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). O objetivo: na omissão do Congresso, que o judiciário decisse legislasse sobre o tema.

Na época, três paraibanos se pronunciaram publicamento. Luciano Mariz Maia, vice procurador-geral da República, perguntou: “quantas mortes serão necessárias para entendermos que já morreu gente demais?” O procurador do trabalho Eduardo varandas, lembrou que o público LGBTQIA+ não é minoria, mas é minorizado e tem seus direitos sistematicamente negados como cidadãos, como contribuintes, como seres sociais, e o MPT, junto com Defensoria Pública, MPF, OAB, UFPB abraçaram campanha de combate ao preconceito e à homofobia. “Não vamos voltar” era um grito contra o retrocesso e pelo respeito. O governador joão Azevedo publicou nas redes sociais as hashtag “criminalizastf” e lembrou que na Paraíba já existia uma lei de 2003 e um decreto de 2018 que pune com multa a discriminação por orientação sexual.

O STF respondeu. O Ministro Celso de Mello, relator de uma das ações, mostrou a que veio e num discurso irretocável. Criticou a inércia do Congresso e “as mentes sombrias (…) impregnadas de inequívoca decoração homofóbica ou transfóbica que visam limitar, quando não a suprimir direitos”. Claro que houve uma enxurrada de críticas. Tanto que, na época, o julgamento chegou a ser suspenso e a polêmica foi se alimentando de preconceitos. Houve quem recorresse a um recorte da Constituição Federal para sustentar o discurso de que “privilegiar uma minoria é negar o princípio de que todos são iguais perante a lei”, talvez por preguiça de pensar, de ir além do pontilhado ou por pura discriminação e maldade mesmo. É cristalino que nem todos têm acesso aos mesmos recursos e proteção; que nem todos são tratados com dignidade e que o Estado brasileiro falha quando não consegue “promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou outras formas de discriminação” como manda a Constituição.

Ora, quando garantias individuais e coletivas não são asseguradas a todos, é preciso que haja remédios que curem essa mazela, garantam a preservação da vida e evitem que pessoas morram vítimas do ódio e da ignorância. Isso é tratar os desiguais na medida de suas desigualdades. Isso, embora muitos não saibam ou ignorem, é a aplicação legítima do princípio constitucional da igualdade. Lutar por uma causa não diminui as demais, e quando o assunto é vida, todas, absolutamente todas elas importam porque nenhuma vale menos que outra. Por isso, criminalizar a homofobia foi, antes de tudo, democrático e urgente. O STF entendeu isso há 2 anos e precisou botar na lei aquilo que tantos foram incapazes de entender por meio do exercício da compreensão e do respeito à diversidade. Importante demais. Importa também não parar por aqui porque essa luta é não se esgota com a lei. Os números mostram que há uma política de extermínio da população LGBTQIA+. E dos pobres. E dos pretos. E das mulheres. Não pode haver trégua, pelo menos não até que todos entendam, como lembrou Mariz, que já morreu gente demais pelas vias do preconceito. A palavra de ordem é resistir. Resistir para existir. Então, não basta um mês de conscientização. Junho acabou, mas a intolerância não descansa. Segue a luta “porque o tempo, o tempo não para”.