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Voto eletrônico é seguro e auditável, concluiu TCU

O relatório espelha o entendimento da área técnica do TCU sobre o assunto e servirá de base para o voto do ministro Bruno Dantas, relator do processo 014.328/2021-6, que avalia a confiabilidade do voto eletrônico no país. O tema está na pauta da quarta-feira (11) do plenário do TCU, que reúne os nove ministros do tribunal. Espera-se que o ministro relator acompanhe o parecer dos técnicos.

Para tentar provar que o voto eletrônico possibilita fraudar as eleições, Bolsonaro e o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) vazaram na última quinta-feira (5) o Inquérito 1065955-77.2020.4.01.3400, que tramita em segredo de justiça na 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. Por causa disso, o TSE enviou na segunda (9), ao Supremo, pedido de abertura de investigação criminal contra os dois políticos.

Deputado Filipe Barros (PSL-PR) em reunião da comissão especial do voto impresso na Câmara

Deputado Filipe Barros (PSL-PR) em reunião da comissão especial do voto impresso na Câmara.

Foi o próprio TSE quem pediu a abertura do inquérito policial, que apura a responsabilidade por dois acessos indevidos ocorridos no sistema de votação, o primeiro em abril de 2018 e o outro em novembro do mesmo ano. Segundo o TSE, os dois episódios não representaram “qualquer risco à integridade das eleições de 2018”, mas sua divulgação, “por se tratar de conjunto de informações que deveriam ser de acesso restrito, pode causar danos à Justiça Eleitoral e ao próprio processo democrático de realização e apuração das eleições”. Além de pedir a remoção da íntegra do processo, postada por Bolsonaro na internet, o TSE avalia que a conduta do presidente e do deputado é vedada pelo Código Penal, que define como crime “divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública”. A punição prevista é de um a quatro anos de prisão (ver nota do TSE sobre o tema no final desta reportagem).

 

Veja a íntegra do relatório de auditoria do TCU:

 

Chamou atenção dos técnicos do TCU o fato de pesquisa feita em julho deste ano, por encomenda da Confederação Nacional do Transporte (CNT), ter indicado que 34,5% dos brasileiros duvidam da confiabilidade das urnas eletrônicas. “O fato se torna significativo pois esse terço da população ainda tem baixa (15,8%) ou nenhuma (18,7%) confiança, apesar da realização de doze pleitos eleitorais (de 1998 a 2020) com uso intenso das urnas eletrônicas sem que haja denúncias consistentes de fraude”, afirma o documento, que em sua parte principal possui 39 páginas (excluindo anexos).

“Tal fato” – continuam os técnicos – “pode ser imputado à complexidade tecnológica do sistema de votação que ainda deixa parte da população desconfiada. Por outro lado, é de conhecimento público que existem movimentos que manifestam desconfiança no processo eleitoral, questionando a confiabilidade do sistema brasileiro de votação eletrônica, especialmente em razão da ausência de um mecanismo de validação/auditagem do voto pelo próprio eleitor no momento da escolha dos seus candidatos. A solução, na ótica desses movimentos, seria a implementação do voto impresso, auditável e conferível pelo eleitor, em meio físico, antes da sua confirmação. Esse mecanismo possibilitaria, ainda, a conferência dos votos impressos, depositados em urnas indevassáveis, com os votos registrados na urna eletrônica”.

Segundo o relatório, é uma visão errada: “O sistema atual de votação eletrônica foi implementado a partir da identificação de vulnerabilidades históricas que maculavam os resultados das eleições, especialmente em razão das intervenções humanas nas diferentes etapas do processo eleitoral, desde a votação, com voto em papel depositado na urna pelo próprio eleitor, até a apuração e totalização dos votos. Houve um inegável avanço nos quesitos segurança e confiabilidade das eleições a partir da implementação da votação eletrônica, que minimizou riscos da intervenção humana”.

Especialistas se preocupam com demora na adaptação à lei mesmo dentro do Executivo

De acordo com o relatório, “existem mecanismos de auditagem em todo o processo de votação, desde a etapa do desenvolvimento dos sistemas, passando pela realização de testes públicos de segurança, teste de integridade (votação paralela), até a totalização e a divulgação do resultado, contemplando medidas de verificação mesmo após a conclusão do processo eleitoral”. Além de descrever em minúcias cada um desses mecanismos, o relatório de auditoria lembra que o TSE permite expressamente que várias organizações fiscalizem todos os procedimentos relacionados com a votação eletrônica, em qualquer etapa do processo, incluindo a fase de desenvolvimento dos sistemas de informação.

Essas entidades fiscalizadores incluem partidos políticos e coligações, a Ordem dos Advogados do Brasil, o  Ministério Público, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, a Sociedade Brasileira de Computação, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, o  Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, as  Forças Armadas, os departamentos de tecnologia de universidades credenciadas junto ao TSE e “entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral”. Para completar, a Justiça Eleitoral contrata empresa especializada em auditoria para fiscalizar o funcionamento das urnas eletrônicas, conforme determina o artigo 63 da Resolução TSE 23.603/2019.

Ressalta ainda o relatório do TCU: “Por fim, após as eleições, as entidades fiscalizadoras podem solicitar aos tribunais eleitorais os arquivos de log do Gerenciador de Dados, Aplicativos e Interface com a Urna Eletrônica (GEDAI-UE); e os arquivos de dados alimentadores do Sistema de Gerenciamento da Totalização, referentes a candidatos, partidos políticos, coligações, municípios, zonas e seções; arquivos de log do Transportador, do Receptor de Arquivos de Urna e do banco de dados da totalização; arquivos de imagens dos boletins de urna;  arquivos de Registro Digital do Voto (RDV); arquivos de log das urnas; relatório de boletins de urna que estiveram em pendência, sua motivação e respectiva decisão; relatório de urnas substituídas; arquivos de dados de votação por seção; e relatório com dados sobre o comparecimento e a abstenção em cada seção eleitoral. Esses arquivos e documentos possibilitam a realização de uma contagem paralela dos votos para posterior comparação com os resultados divulgados pelo TSE.” (grifo do documento original)

Um procedimento de segurança que, acrescenta o documento, “pode ser acompanhado pelo próprio eleitor, além de quaisquer outros interessados”: “Ela ocorre na véspera da eleição, em audiência pública, onde as urnas sorteadas são submetidas à votação, nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro, em paralelo, dos votos que são registrados na urna eletrônica. Cada voto é registrado numa cédula de papel e, em seguida, replicado na urna eletrônica. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, são feitas a apuração das cédulas de papel e a comparação do resultado com o boletim da urna. Toda essa cerimônia é gravada em vídeo e acompanhada por empresa de auditoria contratada para essa finalidade específica”. Outra possibilidade de dupla conferência, ao alcance de qualquer pessoa, é o boletim de urna (BU). Afixado em cada seção eleitoral, ela traz os resultados da votação registrada em cada urna eletrônica.

Lembra ainda o relatório de auditoria que não pode haver “ataques externos à urna eletrônica, uma vez que o equipamento funciona de forma isolada, ou seja, não apresenta nenhum mecanismo que possibilite sua conexão a redes de computadores, como a Internet”.

Mas os auditores também reconhecem que a Justiça Eleitoral poderia atuar melhor na difusão dos mecanismos que asseguram a confiabilidade do voto eletrônico no Brasil:  “A complexidade tecnológica inerente à votação eletrônica, para permitir auditabilidade e segurança do voto, e a ausência de uma política de informação mais abrangente geram desconfiança em parte do eleitorado, oportunizando o surgimento de notícias não condizentes com a realidade e a elaboração de propostas de alterações legislativas, com impacto no processo eleitoral como um todo”.

Quanto à PEC do Voto Impresso, o relatório observa que ela depende de “decisão soberana” do Congresso. Sustenta, no entanto, que a proposição eleva em R$ 2 bilhões o custo de realização das eleições sem trazer benefícios nos quesitos segurança, auditabilidade e confiabilidade.

A proposta transforma a urna eletrônica em mera impressora dos votos, restabelecendo a apuração dos votos em papel, a ser feita por cerca de 1,8 milhão de mesários, que atuam nas mais de 500 mil seções eleitorais do país: “Causa apreensão a proposta do substitutivo, pois mostra um evidente retrocesso, quando disciplina que o sistema de votação passaria a priorizar o voto impresso, em detrimento do voto eletrônico, e voltaria o sistema de contagem manual de votos em cada seção eleitoral. (…) A aprovação do substitutivo, na forma proposta, provocaria uma revolução do atual sistema de votação, alterando drasticamente o paradigma defendido atualmente (menos intervenção humana com mais automatização do processo, que tem demonstrado rapidez nos resultados, segurança nas informações, inexistência de fraudes comprovadas e menores custos de registro, contabilização e totalização de votos) para um sistema com maior intervenção humana (mais oneroso, mais moroso e com mais riscos de fraudes), como acontecia antes da adoção da urna eletrônica”.

Basicamente, a auditoria conclui que a proposta, apesar de “viável do ponto de vista tecnológico”, traz várias desvantagens. Demanda “um tempo razoável para implementação com segurança”; “não é conveniente e, provavelmente, é impossível de ser implementada integralmente num único ciclo eleitoral”; “exige recursos humanos e financeiros hoje não disponíveis na Justiça Eleitoral”; “traz riscos inerentes à sua implantação que poderão impactar negativamente a dinâmica da votação e da apuração as eleições de 2022”; “reintroduz riscos inerentes à intervenção humana na dinâmica de votação e de apuração dos votos que aumenta a insegurança do processo eleitoral”; e “aumenta o risco de quebra do sigilo do voto”.

Os técnicos propõem a divulgação do relatório de auditoria – já que “as informações consolidadas neste trabalho são de interesse não apenas do controle externo, mas também da sociedade brasileira” – e as seguintes outras medidas: envio da auditoria às mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado, assim como à comissão especial criada pela Câmara para analisar a PEC 135/2019; o aprimoramento de uma “política contínua de comunicação e informação à sociedade acerca dos mecanismos de auditabilidade, transparência e segurança da sistemática brasileira de votação, com o objetivo de estimular maior participação popular e elevar o nível de conhecimento e confiança no processo eleitoral”; mais visibilidade à chamada “votação paralela”; o estímulo a uma maior participação das organizações credenciadas na fiscalização das eleições; e o retorno do processo para dar continuidade à auditoria.

Concluído em 30 de julho, o relatório foi entregue ao ministro Bruno Dantas antes do vazamento do inquérito em tramitação na 12ª Vara Criminal do Distrito Federal. É possível, assim, que o assunto seja incluído nas próximas fases do trabalho.

Segue a nota divulgada pelo TSE sobre o fato:

“NOTA À IMPRENSA

Em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno, ocorrido em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral esclarece que:

  1. O episódio de 2018 foi divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova.
  2. O acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu.
  3. Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado.
  4. Cabe reiterar que as urnas eletrônicas jamais entram em rede. Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração. Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições.
  5. O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude.
  6. De 2018 para cá, o cenário mundial de cybersegurança se alterou, sendo que novos cuidados e camadas de proteção foram introduzidos para aumentar a segurança de todos os sistemas informatizados.
  7. Por fim, e mais importante que tudo, o TSE informa que os sistemas usados nas Eleições de 2018 estão disponíveis na sala-cofre para os interessados, que podem analisar tanto o código-fonte quanto os sistemas lacrados e constatar que tudo transcorreu com precisão e lisura.”