Opinião

Um grito contra o retrocesso

Demorou, mas o grito saiu. Servidores públicos de todo o país partiram para mobilização nesta quarta-feira (18). Um dia de greve contra a PEC da Reforma Administrativa. Na Paraíba, o prédio da Receita Federal na Avenida Epitácio Pessoa foi o ponto de concentração de uma categoria pintada como ameaça à saúde orçamentária do país. Estiveram lá representantes de movimentos sindicais e sociais tachados por tantos como vagabundos e desocupados.

O protesto tardio tem seus motivos. É que movimentos como este têm sido criminalizados pela sociedade. Sem apoio, perdem força para lutar pela manutenção de direitos trabalhistas que dão dignidade e meios de sobrevivência às pessoas. Difundiu-se a ideia falaciosa de que grevista tolhe o direito de ir e vir dos outros, de que privatizar a qualquer custo é caminho para o desenvolvimento e de que defender a Constituição e os direitos humanos é coisa de esquerdista comunista. Esse é o custo da falta de consciência de classe ou de consciência cidadã e do negacionismo histórico.

Os direitos do trabalhador vêm sendo solapados com maior celeridade desde o governo Temmer. A reforma trabalhista foi tiro certeiro no enfraquecimento de entidades de proteção como os sindicatos. Em um ano, a massa de trabalhadores sindicalizados, por exemplo, caiu mais de 11% segundo o IBGE. Por outro lado, a precarização da relação entre empregado e empregador aumentou e o guarda-chuva de proteção legal diminuiu. A reforma da previdência veio recheada de retrocessos como o fim da possibilidade de abater 1 ano na idade mínima para cada ano excedente de contribuição.

Agora, a reforma administrativa demoniza e esfacela o serviço público, abrindo a possibilidade para que este seja gerido pelo poder privado a pretexto do enxugamento do Estado. A Pec revoga duas grandes conquistas do país quando afasta a exigência de concurso público (e com ela a  independência funcional do servidor) e a estabilidade. Na prática, aumenta a terceirização, o número de cargos comissionados, institui a politica do QI (quem indica) e não combate o inchaço que privilegia as elites econômicas, nem a corrupção.

É preciso reação mesmo. Grevistas querem o apoio da bancada federal paraibana contra essa escalada de retrocessos, mas precisam, antes de tudo, da compreensão e do engajamento de todos os trabalhadores. Assim como o servidor público não é inimigo da nação como afirmou outro dia o Paulo Guedes, ministro da economia, o Estado não tem que ser mínimo, tem que ser equilibrado. Reformas precisam garantir o aprimoramento da máquina, não o contrário.

Por exemplo, levantamento do IPEA em 2020 mostrou que 25% dos funcionários públicos federais do país recebia até R$ 1.566 e metade ganhava até R$ 2.727. Os vilões dos gastos públicos então no Judiciário, que custou em 2019 R$ 100,2 bilhões de reais (90% só com salários e penduricalhos), e no Parlamento, com custo diário em 2018 de R$ 28 milhões por dia. Cortar os privilégios dessa categoria já estaria de bom tamanho para sanear as contas públicas. Perceba que o problema não está na imensa maioria dos 11,5 milhões de servidores por mais que o governo e certos parlamentares insistam nessa balela.

Ademais, acabar com direitos trabalhistas não é garantia alguma de eficiência e de economia. E é sempre bom lembrar: o serviço público promove políticas públicas que, por sua vez, promovem inclusão, saúde, educação, emprego, renda e justiça social.