Opinião

Lula dá tiro no pé pró-Bolsonaro. Ou: Esquecer o velho e aprender o novo

Reinaldo Azevedo

O petista Luiz Inácio Lula da Silva vem liderando há tempos as pesquisas eleitorais. Há levantamentos sérios, profissionais, que já apontaram uma possível vitória no primeiro turno, ainda que dentro da margem de erro. E, é fato, não ganhou destaque nem fotão nos veículos “profissionais” e “independentes” de imprensa. Notem que alinho dois adjetivos: profissionais e independentes. Porque, afinal, há alguns que, com efeito, empregam jornalistas, mas independentes não são. Estão a serviço do governo e, em particular, do bolsonarismo. Têm, no máximo, a memória da independência. Adiante.

Mesmo com presença discreta no noticiário, como resta evidente, e apesar de tudo o que de ruim se noticiou sobre o PT — coisas imerecidas e merecidas —, Lula lidera com folga as pesquisas de opinião. Eis que, de súbito, e por razões muito merecidas, o ex-presidente vai para o topo das páginas, com direito a uma foto, com dedo em riste, e a formulação: “Lula volta a falar em regulação da mídia” — ou variações. Gosto de psicanálise. Sou especialmente atento aos momentos em que as pessoas não conseguem entender por que tudo está indo tão bem. Então resolvem dar um tiro no pé para ganhar o lugar da vítima — ainda que triunfante.

Junto com a defesa da tal regulação — e petistas dizem ter sido um erro não fazê-lo nos quatro mandatos do partido; o quarto foi interrompido pelo impeachment —, vem a história de que “uma família (variação: “algumas famílias”) não pode mandar no noticiário”. Logo, sustenta Lula, não se pode ficar com uma regulamentação que data de 1962.

Eu não sou dono de meios de comunicação. Não sou patrão a não ser de mim mesmo. Mas talvez os que lutaram em defesa da democracia — e incluo Lula entre eles — sintam certa saudade do que tempo em que os tais “meios de comunicação” realmente dispunham de um quase monopólio da notícia. Com todas as suas distorções, e as havia às pencas, e se estava ainda, vamos dizer, no reino da razão.

As contestações eram muitas. Aglomeravam-se as teses universitárias a respeito do viés ideológico da imprensa e suas inevitáveis distorções em favor da “burguesia”, e até o pavoroso “Para Ler o Pato Donald” era considerado um manual inteligente para entender as tramas do mal contra as pessoas boas.

UM TEMPO QUE JÁ PASSOU

Lamento ter de lembrar a muitos que esse tempo passou. Se havia um monopólio do mal — ao menos na cabeça das esquerdas –, não há mais. Hoje, presidente Lula, o poder das “famílias” é quase nenhum. E talvez Vossa Excelência devesse lamentar. Ainda era grande quando o senhor chegou à Presidência. Mas aquele mundo não existe mais.

O senhor sabe, presidente Lula, qual foi um dos fatores que contribuíram para tirar milhares, talvez milhões, de votos de Fernando Haddad em 2018? A suposta “mamadeira de piroca” que o petista distribuiria nas creches de todos o país caso fosse eleito. Nenhuma “família” deu essa notícia. Isso circulou no WhatsApp e em páginas clandestinas, depois tiradas do ar. Mas, associadas à informação falsa, vieram outras falcatruas sobre o “kit gay”, a suposta descriminação da pedofilia, que também faria parte da pauta petista, e a tal “ideologia de gênero” — suposto incentivo para que os meninos “brincassem” com os amiguinhos — nas escolas.

Nada disso circulou na mídia que Lula diz querer regular. Ao contrário. A imprensa profissional fez o seu trabalho e desmentiu essas canalhices. Não custa lembrar: Jair Bolsonaro, hoje, é aquele que se coloca como o paladino da “liberdade de expressão” e que pretende, pela via legiferante, impedir que as redes sociais excluam mensagens classificadas como “fake news”. O vale-tudo interessa aos profissionais da mentira.

Lula defenda o que quiser. Não sou petista. Sou observador da cena. E sempre falo tudo e escrevo tudo o que quero porque mando nas minhas vontades. Acho que ele até tem razões pessoais para ser um crítico duro da imprensa. Amargou um tempão na cadeia, embora tenha sido condenado sem prova, por um juiz finalmente reconhecido como incompetente — o que apontei desde sempre, como sabe o petista — e suspeito: o que também passei a considerar a partir do evidente alinhamento do então juiz com Jair Bolsonaro. No caso da falta de provas, tão logo a sentença saiu, anunciei: “Não há provas!”.

O LAVAJATISMO

A imprensa, com raras exceções (na pessoa de colunistas, não do noticiário), comprou a versão da Lava Jato. Mas não há regulação possível que consiga impedir esse tipo de distorção, presidente! Não há. A menos que se formem conselhos censores nas redações para decidir o que pode e o que não pode ser publicado. Ainda que um grupo seja fragmentado em três ou quatro, o que se pode fazer — a menos que haja censura, claro! — é fragmentar também o equívoco em três ou quatro.

Assim, a regulação — se censura não for — não resolve a inflexão editorial. Quanto aos temas que passaram a ser influentes e que hoje mobilizam multidões, dizer o quê? Lula deveria ouvir alguns especialistas na área para constatar que, hoje, uma mentira nas redes sociais é muito mais influente do que um desmentido dado pelo Jornal Nacional. Se acho isso bom? Não! Eu acho isso péssimo. Porque os desmentidos do Jornal Nacional estão sempre certos — ainda que eu tenha lastimado o alinhamento desse noticiário com a Lava Jato. Aqui se fala tudo.

Eu nem sei se sou favor do projeto de Lula ou contra o dito-cujo — e há em todo mundo legislação a respeito. Eu não o conheço. Espero que ele o apresente antes da eleição para eu saber se posso ou não votar nele caso isso me pareça razoável. Em Bolsonaro, sei que não será. No petista, talvez. Mas ele pretende alterar de que modo a profissão em que atuo? “Ah, você é agora dono de emissora?” Eu não. Mas escrevo e falo o que quero nos lugares em que estou.

Regulação por regulação, sem projeto, só atende a algumas igrejinhas ideológicas tão estreitas como irrelevantes. Que, então, se diga o que se quer. Eu e muitos gostaríamos de saber. Mas que fique claro: a tia do Zap tem uma influência danada no debate, odeia Lula, odeia as esquerdas, acredita em mamadeira de piroca e passa adiante memes com “Globolixo”. Entendeu, presidente?

ERRO CRASSO

De resto, para atender a um sestro que me parece se referir a uma imprensa de meados do século passado, Lula dá a Bolsonaro a oportunidade de posar de defensor da liberdade de expressão — aquele que não quer regular nada e que, de quebra, ainda pretende cassar das redes sociais a faculdade de excluir mensagens mentirosas, fake news.

Não sou marqueteiro de Lula nem coordenador de sua pré-campanha. Mas acaba de dar o primeiro tiro no pé. “Ah, eis Reinaldo, que trabalha para a mídia burguesa!” Sempre escrevi e falei o que bem entendi na “mídia burguesa”, inclusive em defesa do petista, quando me pereceu pertinente.

Não! Isso não me torna imune ao erro. Mas uma coisa eu sei — e levo isso adiante também na minha vida e na minha profissão: às vezes, é preciso esquecer algumas coisas erradas e aprender algumas coisas novas.

#prontofalei

PS: Um “PS” importante. Dia desses, um bobalhão disse que agora quero determinar o que a esquerda deve ou não fazer. EU??? De jeito nenhum! Não sou de esquerda. Eu nunca penso em influenciar A ou B. Eu apenas digo o que penso. Sem pensar na teoria do efeito. Não sou “coach”, rsrs.

Extraído de UOL