Com mais de 530 células, concentradas no Sul e Sudeste, Brasil é o país onde extremismo de direita mais avança
RIO – Quando figuras como Bruno Aiub, o Monark, defendem aberta e publicamente o nazismo — no caso específico do YouTuber, a criação de um partido nazista no Brasil —, elas falam para um público que vem se expandindo de forma expressiva nos últimos anos. Dados da ONG Anti-Defamation League (ADL) mostram que hoje o Brasil é o país no mundo onde mais cresce o número de grupos de extrema direita, concentrados, de acordo com monitoramento da Doutora em Antropologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) Adriana Dias, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em todo o país, já são mais de 530 células extremistas que, em relatório feito nos primeiros meses deste ano, Adriana dividiu em categorias, de acordo com suas ideologias, como Hitlerista/Nazista, Negação do Holocausto, Ultranacionalista Branco, Radical Catolicismo, Fascismo, Supremacista, Criatividade Brasil, Masculinismo Supremacia Misógina e Neo-Paganismo racista. Em 2019, a especialista detectou 334 células.
No Rio de Janeiro, foram encontrados 36 grupos, 15 deles na capital. Entre os bairros cariocas com maior presença de células de extrema-direita estão Méier, Tijuca e Copacabana. Em Niterói, os pesquisadores identificaram outras duas agrupações. Uma delas se apresenta como Cali, e foi responsável pelo ataque à produtora do grupo de humor Porta dos Fundos, em 2019.
— Desde 2018, o Brasil se transformou no país com maior crescimento de grupos de extrema direita. Este fenômeno tem a ver com a eleição de Jair Bolsonaro que, num nível subterrâneo, está vinculado a estas ideologias. Hoje, estima-se que 15% dos brasileiros são de extrema direita — afirma Michel Gherman, membro do Observatório da Extrema Direita (formado por acadêmicos de mais de dez universidades brasileiras e de outros países), professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Instituto Brasil-Israel.
Gherman afirma que a eleição de Bolsonaro criou no Brasil uma “Disneylândia do neonazismo”, pois os que o defendem “passaram a se sentir mais à vontade”.
Segundo o professor, apesar de muitos grupos já existirem antes de 2018, o que se observava era “algo periférico”, sem a legitimidade de agora. A opinião é compartilhada por Karl Schuster, professor das Universidades de Pernambuco e Vigo, na Espanha:
— Estas mais de 530 células ganharam autorização para aparecer. A pergunta fundamental não é se estes grupos são ou não fascistas, e sim por que eles trazem para si aspectos do fascismo histórico. O que eles ganham se aproximando desses discursos?
Schuster é especialista em História Contemporânea e acaba de lançar, junto a Francisco Carlos Teixeira, o livro “Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente”.
— Estes grupos seguem o princípio da alteridade, de negar o outro. Muitos negam o Holocausto, outros dizem que o Holocausto foi o único erro do fascismo histórico. Querem ressignificar o sentimento de culpa — diz Schuster.
O fascismo, diz o especialista, atrai nas redes um público cada vez maior. O importante, reflete, é tentar entender por que tantas pessoas se aproximam desse discurso, e por que estes grupos estão crescendo. O professor, que também monitora o avanço da extrema direita, diz que, além de grupos, há os chamados lobos solitários, como em Pernambuco. Ele observa a necessidade de saber se tais lobos estão em contato com redes dentro e fora do Brasil.
O professor de História Contemporânea da UFJF, Odilon Caldeira, autor do livro “O fascismo em camisas verdes”, também encontrou grupos de extrema direita no Ceará, a maioria em Fortaleza. Ele afirma que “a extrema direita veio pra ficar no Brasil” e que ela busca permanentemente referências internacionais, articulações e incorporar agendas da extrema direita global:
— Nossa extrema direita tem várias facetas, vertentes, origens e tradições históricas. Um setor busca se articular em torno de Bolsonaro, mas outros vão além. Incorporam a quarta teoria política russa, assim como expressões da Ucrânia, Estados Unidos e do centro da Europa. Mesmo se Bolsonaro não se reeleger, a extrema direita permanecerá — frisa.
Como no resto do mundo, os grupos atuantes no Brasil debatem em redes sociais nas quais se sentem mais protegidos, principalmente Telegram e VK (Vkontakte), com sede em São Petersburgo, na Rússia, que acaba de ser comprada (ou seja, nacionalizada) pelo governo de Vladimir Putin. A VK, também chamada de Facebook russo, foi fundada em 2006 pelo atual proprietário da Telegram, Pavel Durov, e tem cerca de 47 milhões de usuários russos, de acordo com dados da empresa. Putin usou uma das principais fontes de renda do Estado russo, a estatal de gás Gazprom, para adquirir uma companhia, que sempre esteve na mira de seu governo.
Em ambas as redes, não existe controle sobre a publicação de conteúdo e os usuários podem declarar livremente, sem medo a qualquer tipo de punição ou bloqueio de conta, o que pensam sobre qualquer coisa. Como explica Karina Stange Caladrin, pesquisadora do Instituto Brasil/Israel e coordenadora de Juventude da Fundação B-nai B-rith, organização internacional de defesa dos direitos humanos, “o Brasil é parte de uma onda internacional de proliferação de grupos de extrema direita, muito forte na Rússia, Hungria, Ucrânia, Polônia e EUA”.
— Existem grupos antigos, e outros mais recentes. Todos têm crescido muito. Influenciadores como Monark e políticos como o deputado Kim Kataguiri têm um público grande, principalmente jovens, que se relacionam numa bolha — comentou a pesquisadora, que alerta para o grau de desinformação de muitos dos seguidores deste tipo de personalidades:
— Muitos têm um total desconhecimento sobre o que foi o nazismo, o que são neonazismo e comunismo. Um dos perigos é que nazismo, partindo dessa desinformação, passou a ser passível de defesa.
Mão e placentas:Professor universitário suspeito de traficar órgãos humanos a estilista indonésio é afastado; entenda o caso
Existem, também, grupos mais organizados, intelectualizados e adoutrinados. No Rio, pesquisadores apontam relações entre grupos de extrema direita e milícias. A facilitação do acesso a armas desde que Bolsonaro assumiu a Presidência preocupa quem acompanha de perto os movimentos da extrema direita brasileira. Todos estes grupos são contrários a qualquer tipo de nova regulamentação para voltar a restringir o acesso a armas e munições.
Em São Paulo, lembra Gherman, a extrema direita começou a crescer e se fortalecer na década de 80, como reação ao movimento sindical.
— Houve, por exemplo, uma rejeição aos nordestinos, vistos como pessoas que tiravam espaço e empregos dos paulistanos “originais”. O anti-nordestinismo é fundamental para entender as origens mais recentes da extrema direita paulista — diz o pesquisador do observatório.
A eleição de Bolsonaro, conclui Gherman, foi possível, em grande medida, “porque no Sul e no Sudeste foram desinterditados o neonazismo e a extrema direita. Já o Nordeste protege o resto do Brasil, pois é onde a extrema direita tem dificuldade de penetrar. O melhor termômetro disso é a derrota de Bolsonaro na região, em 2018. O Nordeste tem uma história de resistência e, nos últimos anos, foi, majoritariamente, antifascista”.