Opinião

Chega de antipolítica!

Há quase dez anos o país vem sendo varrido por uma onda de antipolítica com a criminalização e corrosão das instituições democráticas. O Estado de bem-estar, marcado pelo acesso a políticas públicas, saúde, educação, cultura, lazer, poder de compra e bens de consumo, despencou. Há milhões de famintos e uma situação aguda de desalento.  Se eleição após eleição a vida do povo continua a mesma e até piora, a política acaba esvaziada de sentido. Os discursos disruptivos surgem daí.

A antipolítica tem uma função: modular comportamentos regidos pela força. Não à toa, é grande o número de grupos de civis e militares que apoiam e pedem intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional do Supremo Tribunal Federal e o fim dos partidos. Ora, se todos os nossos problemas estivessem na política, partidos e eleições perderiam seu propósito.

Raciocínio simplificador e equivocado visto que “não há soluções simples para problemas complexos”, pondera um amigo.  À primeira vista, a antipolítica é um discurso fácil. Tem ao seu favor o fato de que realmente a política não tem conseguido resolver os principais problemas da população porque não solucionou o problema da exclusão. A fé na política resta ameaçada e sobressaltam os valores da disciplina e autoridade.

Essa crise de confiança foi gestada no lavajatismo, que colocou a pauta moral acima da política pública. Um discurso nada original, aliás. Já nos anos 1950, a UDN de Carlos Lacerda usava a mesma narrativa tão cara aos setores médios da sociedade: todo o nosso problema é a corrupção. Acontece que corrupção não é caso de política, é caso de polícia. Qualquer pessoa, seja ela detentora de cargos públicos ou não, tem o dever legal de não ser corrupto e nem corruptor. Então, que casos de corrupção, em qualquer esfera, sejam investigados e punidos nos termos da lei, sem interferência no bom funcionamento das instituições democráticas.

Sem o lavajatismo certamente não teríamos as condições de surgimento de sua variante, o bolsonarismo. Em essência, o bolsonarismo é uma política contra a política. Quem não lembra do “contra tudo isso que está aí” proferido pelo então candidato Jair Bolsonaro? Era essa a mesma antipolítica de João Dória que, filiado a um partido e disputando uma eleição dizia: “não sou político, sou gestor”.

Em tempo: ninguém se torna prefeito, governador ou presidente por meio de concurso público. São funções temporárias e exercidas pela escolha da soberania popular. E mais: política ruim não se resolve apenas com decisões judiciais, debate sobre pauta moral, criação de leis esdrúxulas, espetacularização do combate à corrupção, etc. O discurso simplificador da antipolítica é desastroso e o produto dele também. A eleição de pessoas despreparadas para funções públicas gera mandatos ruins e até mesmo assanhos autoritários que se prestam única e exclusivamente ao estado de atraso e violências. Não há soluções mágicas para gerar empregos, matar a fome ou melhorar os índices de segurança pública. Esse mito precisa ser desconstruído.

Quando a Política é colocada como um palavrão, abre-se caminho para a despolitização que cega os olhos e as mentes para os projetos de poder em debate. Restam negociatas e “tenebrosas transações”. A costura de uma frente ampla contra o bolsonarismo, diferente disso, é a expressão da boa política porque resgata alianças costuradas em razão da necessidade do diálogo, da valorização das instituições democráticas e da discussão de grandes temas que impulsionem a sociedade rumo ao caminho do progresso. A boa política é aquela que identifica os problemas e apresenta propostas concretas de soluções, com transparência e diálogo. Chega de antipolítica! É de política boa que precisamos agora!