Opinião

A Estagflação e a fome

Por Nelson Rosas*

Desde os finais do século passado, particularmente a partir da década de 60, os economistas debatem o fenômeno da inflação, tão terrível que já foi associado à figura de um dragão. O dragão da inflação é tão temível que todos querem combatê-lo, mas ninguém se propõe exterminá-lo, o objetivo é domá-lo, controlá-lo, donde se conclui queé considerado invencível.

Terminada a segunda guerra observa-se que o fenômeno se tornou inerente à economia capitalista. Depois dos anos 70, porém, este dragão sofreu uma mutação: transformou-se em uma hidra, a hidra da estagflação, muito mais terrível. O processo inflacionário se caracterizava pela elevação generalizada dos preços, mas acompanhada da expansão da economia. Havia o aumento da produção. Para este problema, a duras penas, a ideologia econômica oficial encontrou um remédio: a taxa de juros. O manual diz que quando a inflação aumenta eleva-se a taxa de juros. Quando a inflação diminui, reduz-se a taxa de juros. Como eles acreditam que a inflação é causada por excesso de demanda em relação a oferta, a solução é comprimir a demanda. Com a elevação dos juros dificultam-se os investimentos e o financiamento ao consumo o que provoca a diminuição da procura tendo como consequência a queda dos preços. É simples assim.

A partir dos anos 70 esta lógica foi subvertida. Surgiu um aumento de preços, mas acompanhado de uma queda na produção e no consumo por falta de consumidores.A demanda encontra-se deprimida. Com a economia em desaceleração, desemprego e baixos salários, acentua-se a queda da demanda, mas, para surpresa de todos, os preços continuam a subir. É inflação na desaceleração. É a hidra da estagflação. Como diz a diretora gerente do FMI Kristalina Georgieva, “o crescimento cai e a inflação aumenta”, “a renda das pessoas cai e as dificuldades aumentam”.

Com o seu fanatismo ideológico as autoridades dos bancos centrais continuama aplicar a única receita que a bíblia indica: os juros. Foi isto que ocorreu na recente reunião do Copom, órgão do Banco Central do Brasil (BC) encarregado da gestão da moeda e controle dos preços. Preocupado com a elevada incerteza e volatilidade da atual conjuntura, decidiram elevar a taxa Selic, taxa de juros de referência do governo, para 12,75% ao ano. Lembremos que em agosto de 2020 ela era 2%. Curiosamente o próprio BC afirma que a inflação no país é decorrente da pandemia do covid-19, do consequente desequilíbrio entre oferta e procura, do surto de covid na China, com os lockdowns e da guerra na Europa com a invasão da Rússia, todos fatores externos. Perguntaria o desavisado: e como a taxa de juros elevada pode afetar estes acontecimentos? A China, o covid, a Rússia, todos tremem diante da autoridade do BC brandindo ameaçadoramente sua poderosa taxa Selic?

Nesta marcha, sob o comando do sinistro da economia Paulo Guedes, e sua equipe de “Chicago oldies”, a recuperação da economia, que se esboçava, abortou. Quais os prognósticos então? A economia vai continuar desacelerando, a inflação prosseguirá esmagando a capacidade de consumo das pessoas, a situação econômica do país vai piorar. Tudo isto agravará a avaliação do governo e influenciará o resultado nas urnas.

O ambiente internacional também vai evoluir na mesma direção que temos apontado. Diante das proclamações e decisões da União Europeia e da NATO a guerra vai continuar até o último ucraniano. Como bem diz Martin Wolf, editor e principal analista de economia do Financial Times, “O objetivo da política econômica é apoiar o esforço de guerra”. “O desafio é defender a civilização liberal da Europa.” É nestes termos que a situação está sendo tratada na Europa que, praticamente já está em guerra para destruir a Rússia. Apenas algumas organizações internacionais continuam a alertar para o perigo que se aproxima. A Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) cortou suas previsões para o crescimento do PIB mundial de 3,6% para 2,6%. Chamou a atenção para o perigo do aumento da insolvência e da crise global, paralização do desenvolvimento, aumento da inflação e da fome e surgimento de conflitos e revoltas.

A União Europeia continuou a aumentar as restrições à Rússia proibindo as importações do petróleo russo em 6 meses e dos derivados até o fim do ano. Surge com isto a ameaça de recessão para a economia do grupo.Mais um banco russo foi bloqueado no Swift. Em represália a Rússia cortou o fornecimento de gás para a Polônia e a Bulgária e passou a fornecer petróleo para a Turquia e Índia. Com a guerra o fornecimento de grãos da Rússia e Ucrânia para o mercado mundial foi suspenso e a Índia passou a fazer restrições às suas exportações. Segundo a FAO, o número de pessoas com fome no mundo que, em 2021, era de 193 milhões em 53 países, deve aumentar ainda mais. A economia se contrai, os preços sobem e a fome aumenta.Eis o cenário atual.

É neste clima que caminhamos para as eleições seriamente ameaçadas nos discursos e pronunciamentos do presidente. Sinceramente, não acreditamos que o monstro sentado na cadeira de presidente e sua matilha raivosa esperarão sentados a derrota anunciada e a consequente marcha para a prisão. Não é por acaso que já aparecem nos  vidros dos veículos bandeirinha verde e amarela com o adesivo “Recuar jamais”.

*Nelson Rosas é colunista do Blog, professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.