Opinião

A ecdise de Bolsonaro

Por Lúcio Vasconcelos

De tempos em tempos, a cascavel muda de pele. Esse processo, chamado cientificamente de ecdise, serve para que o réptil possa arrastar-se com mais desenvoltura no terreno e atacar as suas presas com mais precisão. Sua nova epiderme, mais forte e com cores vibrantes, não altera sua natureza: o veneno continua tão letal quanto antes.

Jair Bolsonaro (PL) passa por um processo de ecdise. Busca uma nova pele. Quer ficar mais forte. Ele mudou de tom em seus pronunciamentos. Diante da estagnação da sua candidatura nas pesquisas eleitorais e alta rejeição do seu governo, ele está abandonando a velha e desgastada casca.

Agora dócil e humilde, o candidato Bolsonaro tenta passar a imagem de um homem arrependido das dezenas de ofensas cometidas durante seu mandato.

Em recente entrevista, em tom aparentemente calmo e constrito, Bolsonaro afirmou que não era machista. Disse estar compungido por ter dito que havia “fraquejado” quando nasceu a sua filha. Mas ele não desculpou-se pelas diversas agressões feitas contra jornalistas mulheres.

Também externou que não deveria ter dito que “não era coveiro” quando indagado sobre as milhares de pessoas mortas pela epidemia de Covid-19. Mas não recuou quanto ao “tratamento precoce”. Continuou a defender cloroquina, mesmo diante da comprovação científica da sua ineficácia.

Também disse não ser racista, pois havia “salvado da morte” um homem negro. Mas afirmou que no Brasil não há o racismo estrutural, como afirmam os especialistas e militantes do movimento negro. A suposta ignorância tenta escamotear o racismo professado por Bolsonaro em toda a sua trajetória política, em ações, gestos e palavras.

Por último, quase em lágrimas, o candidato Bolsonaro afirmou que, caso perca a reeleição, passará a faixa ao próximo presidente, seja ele quem for. Além disso, para desespero da ala mais radical do Bolsonarismo, parou de achincalhar o sistema de eleitoral brasileiro. Pura estratégia.

Mal nas pesquisas entre as mulheres, os mais jovens, seus os mais pobres e os democratas do país, Bolsonaro busca uma forma de atrair parte desse eleitorado com sua nova e surpreendente moderação. O tempo é curto para tamanha mutação. Trocar de pele não é um processo rápido e muito perceptível para quem está atento aos seus movimentos.

Só as próximas pesquisas dirão se a ecdise de Bolsonaro serviu para convencer os eleitores que sua mudança de pele minimizou o veneno da sua natureza.