A política da Fé

Em tempos de fundamentalismo religioso e político é necessário discutir como essas duas áreas se cruzam e como elas influenciam e se deixam influenciar socialmente.  É importante entender que a religião está relacionada a uma questão identitária, a visão de mundo, ao meio social, cultural e político. Por outro lado, a política se faz no coletivo sócio-cultural que nos forja enquanto ser humano. Para Durkheim (1996), a religião possui uma dimensão social e sistemática, e o homem é formado pela soma do ser individual e do ser social, de forma que, “na medida em que participa da sociedade, o indivíduo naturalmente ultrapassa a si mesmo” (DURKHEIM, 1996, p. XXIV). Já a política permeia as relações sociais e culturais, logo, há uma fronteira que se cruza entre política e religião.

O grande problema é quando a religião interfere politicamente na sociedade e tenta sustentar seus dogmas para direcionar o caminho pelo qual as pessoas devem seguir, tolhendo o livre-arbítrio, o direito de escolha de cada um através da imposição da fé propagada por ela. Joseph Campbell afirma que “a força formadora de uma civilização tradicional é uma espécie de neurose compulsiva compartilhada pelos membros desse meio” (CAMPBELL, 2018, p. 55), essa força formadora pode ser o mito religioso ou político cuja função é contagiar os jovens com os ‘valores’ neles contidos e represá-los de acordo com a necessidade do grupo social. Sobre os mitos, Lévi-Strauss (2000) aborda a sua origem como sendo algo presente em diversas culturas de diversos povos diferentes, mas que muitas trazem em comum os mesmos elementos em suas origens.

É interessante, nesse sentido, que se tenha conhecimento do conceito de religião, e dentre vários possíveis, o de Durkheim, já que foi citado acima, parece ser pertinente.  A religião para o autor “é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem” (DURKHEIM, 1996, p. 32). De tal forma, é algo eminentemente social, de caráter coletivo, instituída pelos indivíduos que partilham das mesmas crenças e norteados pela mesma moral comunitária.

Sendo a religião uma partilha de crenças comunitárias, observa-se que ela que permeia nossa existência coletiva assim como a política que nos norteia na sociedade, na coletividade (afinal não somos eremitas), por isso é importante não escantear ou menosprezar àqueles que seguem qualquer que seja a religião, pois quando se desprezam os elementos que forjam culturalmente uma sociedade, como política e religião, estes podem crescer na sombra da nossa ignorância e nos devorar.

Com relação ao termo política, este deriva do grego πολιτεία (politeía), que indicava todos os procedimentos relativos à Pólis, à sociedade, à coletividade. O livro República, de Platão, que traz a conhecida “Alegoria da Caverna ou Mito da Caverna”, tem seu título original como sendo Politeía e aborda diversos temas como é o caso da política, educação e justiça. Os três segmentos são bases fundamentais para a formação do ser humano e a Política, em especial, está presente nas relações sociais e as estabelece, intervindo na educação e na justiça, fortalecendo a coletividade e a criticidade que podem ter relevante papel na política da fé, tendo em vista que a religião é um dos marcadores sociais da ação política do sujeito e também tem a característica de estabelecer relações.

O objetivo dessa coluna, nos próximos textos, será tratar científica e filosoficamente da religião e sua forma de ação política, independente de crenças ou de orientações religiosas, pois precisamos enxergar a religião e os mitos religiosos que buscam a conformação social como forma de direcionamento segundo seus objetivos. Subestimar as Religiões ou o seu poder de aglutinação e de força para mudar paradigmas e moldar socialmente o coletivo é subestimar seu poder político de moldagem social.

Texto de Regina Negreiros

Regina Negreiros é servidora pública, graduada em Filosofia, Especialista em gestão pública, Mestra e Doutoranda em Ciências das Religiões pela UFPB. É pesquisadora do grupo Raízes – Grupo de EStudos e Pesquisa sobre religiões mediúnicas (CNPq-UFPB), na linha de Religiões afro-brasileiras. Atualmente trabalhando no doutorado com a temática Filosofia Africana.

REFERÊNCIAS:

CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus: Mitologia Criativa, Vol. 4. 2 ª ed. São Paulo: Palas Athena, 2018.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado, Lisboa: Edições 70, 2000.