Bolsonaro: Jekyll ou Hyde?

Considerado por seus apoiadores mais fanáticos como um grande estrategista, Bolsonaro tem demonstrado que está mais para o doutor Jekyll do que para Su Tzu, autor do livro a Arte da Guerra.

Só pra relembrar. Doutor Jekyll é o personagem principal da obra clássica de terror e suspense O Médico e o Monstro, do escritor inglês Robert Louis Stevenson. Publicado pela primeira vez em 1886, o livro trata de Henry Jekyll, um respeitado médico britânico que passou a revelar outra personalidade quando tomava uma droga por ele inventada (não foi a Cloroquina).

No cotidiano, doutor Jekyll se comportava de maneira cordata, ordeira, como um homem civilizado. Mas, em outros momentos, quando ingeria a substância, ficava corajoso, agredia, vociferava, cometia crimes. Tornava-se o senhor Edward Hyde.

Bolsonaro tem um comportamento semelhante aos dois personagens do livro. Quando está diante do cercadinho ou em manifestações antidemocráticas, comporta-se como o senhor Hyde: pura coragem. Fala mal das medidas sanitárias, não usa máscara, vocifera contra as instituições democráticas, agride ministros do STF, condena as urnas eletrônicas, prega o autogolpe.

Mas, ao se deparar com a realidade que o cerca, que pouco compreende, sente que pode ser preso assim que abandonar o Palácio do Planalto. Nesse momento, assume a personalidade do doutor Jekyll. Fica cordato, educado, respeitador das instituições. Quase um homem civilizado.

Bolsonaro passou um bom tempo com a personalidade do senhor Hyde incorporada. Engrossou a voz, conspirou para o golpe, mobilizou as milícias digitais e açulou as hostes bolsonaristas. A montanha pariu um rato. A sociedade assistiu, entre aliviada e satisfeita, ao fracasso golpista.

Agora, doutor Jekyll voltou a ser incorporado por Bolsonaro. Ele fala manso. Elogia o STF. Diz que não disse o que disse. Anda meio triste por não ter conseguido pavimentar o caminho para se perpetuar ditatorialmente no poder. Vamos ver até quando ele fica sem tomar aquela droga e dura o seu lado Jekyll de ser.

Para finalizar, mas sem dar spoiler do final do livro O Médico e o Monstro, reproduzo uma passagem muito reveladora, que tem muito a ver com as angústias que está vivenciando o presidente Bolsonaro nesse momento, já com saudades do senhor Hyde.

“Dentro de meia-hora, quando adotar de novo e para sempre essa odiosa personalidade, sei que me deixarei ficar sentado na minha cadeira, a tremer e a chorar, ou que continuarei a percorrer esta casa de cima abaixo (o meu último refúgio terreno), atacado por um êxtase de tensão e terror, atento a qualquer ruído ameaçador. Morrerá Hyde no patíbulo?”

Palavras proféticas?