Boric venceu o atraso

Gabriel Boric é o próximo presidente do Chile. Ele obteve uma vitória esmagadora sobre o candidato direitista José Antonio Kast. Com 55% dos votos, o líder estudantil das jornadas de protestos ocorridos em 2011 consagrou-se nas urnas ao se tornar o presidente que recebeu a maior quantidade de votos em toda a história chilena.

José Antonio Kast foi para o segundo turno assumindo ser o herdeiro do pinochetismo. Com as bandeiras de anti-imigração, militarização da fronteira contra os índios mapuches e defendendo o sistema privado de aposentadoria, Kast conseguiu unir a extrema direita ao seu redor. A defesa da ditadura militar comandada pelo general Augusto Pinochet, uma das mais sangrentas da América Latina, foi seu ponto forte, mas também responsável pelo seu fracasso. Os chilenos rejeitaram o retrocesso histórico.

Gabriel Boric, com apenas 35 anos, é o mais novo presidente a ocupar o Palácio La Moneda. Ele emergiu das lutas estudantis, tornou-se político e passou a ostentar bandeiras sociais que o aproximaram dos setores mais pobres da população e grupos sociais reformistas, inconformados com os partidos tradicionais. Durante a campanha presidencial, defendeu melhores aposentadorias e grande investimento em saúde e educação, com um forte discurso ambientalista e feminista.

Com o objetivo em diminuir a concentração de renda no país, sua principal proposta econômica consiste em aplicar um imposto patrimonial que afetará apenas 11 mil pessoas com grandes fortunas, isto é, somente 0,1% da população e que, segundo ele, aumentará em cerca de 1,5% do PIB chileno.

Ainda estudante do curso de direito, Gabriel Boric passou a militar intensamente no movimento estudantil. Foi eleito deputado por duas vezes e participou das jornadas de protestos ocorridas em 2019 que culminaram na convocação da Assembleia Constituinte, responsável por elaborar a próxima carta Magna do país.

Durante a campanha eleitoral, Gabriel Boric diminuiu o tom mais radical dos seus discursos e conseguiu atrair o apoio dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michele Bachelet, exponentes da Concertação, agrupamento político de centro-esquerda de grande apoio popular que administrou o Chile durante 20 anos.

Os desafios a serem enfrentados por Gabriel Boric são enormes. Setores conservadores que ainda cultuam o ditador Pinochet permanecem fortes e atuantes, como ficou demonstrado com os 45% dos votos dados ao candidato Antonio Kats. Mas a sua eleição revelou que a onda direitista que assola o continente latino-americano pode ser enfrentada e vencida.

A vitória de Gabriel Boric me fez lembrar o poeta Pablo Neruda (1905-74), que saudou a vitória de Salvador Allende com um belíssimo poema intitulado 4 de setembro de 1970.

“Que se recorde: por fim há unidade!
Viva o Chile, Aleluia e Alegria.
Viva o cobre e o vinho e o nitrato.
Que vivam a unidade e a porfia!
Sim, senhor. O Chile tem candidato.
Muito custou era uma fantasia.
até que hoje a luta se compreende.
Marchar, marchar como a luz do dia.
O presidente é Salvador Allende.
Toda a vitória causa calafrio,
porque se ganha o povo há uma lasca
que entra no focinho do invejoso.
(Um sobe e o outro para seu buraco
desce fugindo do tempo e da história.)
Enquanto Allende chega à vitória
vão-se os Baltras como sujas baratas.”