Estagflação e crise do coronavirus 

Hoje trataremos de dois assuntos controversos que caracterizam a situação atual: a estagflação e a crise. Há algumas características da chamada “crise do covid” que precisamos destacar: ela é uma crise econômica com peculiaridades especiais. No capitalismo as crises econômicas são crises de abundância, de superprodução diferentemente das sociedades anteriores que conheceram crises de escassez. Superprodução de capital sob todas as formas: mercadoria, produtiva e financeira. Para nós capital não é apenas dinheiro, é qualquer valor que ao se mover, cresce. No capitalismo a sociedade entra em crise por ter criado riqueza demais. Isto não significa que todas as necessidades sociais estejam satisfeitas. Nas condições do capitalismo, só consome quem tem dinheiro e as relações capitalistas de produção se encarregam de produzir uma gigantesca concentração de renda que empobrece os possíveis consumidores, ou seja, retira dos consumidores finais os recursos que permitiriam a compra dos produtos necessários à sua sobrevivência.

A crise manifesta-se inicialmente pelo acúmulo de mercadorias que não encontram consumidores. Com o covid as coisas mudaram e novas características apareceram. A pandemia desarticulou as linhas de produção, os fluxos de comércio, os transportes com a falta de navios e contêineres, portos lotados, falta de matérias primas, de componentes etc. Não há exemplos anteriores de um quadro como este o que dificulta o trabalho dos estudiosos. As restrições ao movimento das pessoas e às aglomerações paralisaram as empresas.

Com este novo tipo de crise surgiu, porém, outro problema: a inflação. Segundo a teoria oficial a elevação dos preços só ocorre quando há uma grande pressão da procura que a oferta não consegue atender. Mas uma pressão de demanda muito forte estimula os empresários a aumentar a produção. Por outro lado, esta demanda é resultado de pleno emprego e salários elevados, ou seja, quando o desemprego é muito baixo. O nosso caso é o oposto. Temos uma grande massa de desempregados, de subempregados, de desalentados e os salários são muito baixos. O número de pobres e miseráveis cresce, a fome se alastra e os empregos informais e de baixa qualidade com baixos salários superam os empregos de melhor qualificação e mais bem remunerados. O consumo cai, pois, as pessoas não podem consumir. O varejo e o comércio de modo geral, lamentam-se por não conseguir vender. O faturamento cai. Apesar disso a inflação continua a disparar. Eis o mistério que o sinistro Guedes e sua equipe de “Chicago oldies” não consegue decifrar. 

O Banco Central (BC) comandado pelo Roberto Campos Neto, (neto do conhecido Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento na ditadura de 1964 a 1967, chamado de Bob Fields nos velhos tempos pela sua subserviência aos americanos) e seguidor da mesma seita, com a mesma cartilha, arranca os cabelos. Aplica a única receita que sua ideologia econômica lhe recomenda: a elevação dos juros. No entanto, os documentos do próprio BC reconhecem que as maiores causas da inflação atual, vêm do exterior ou de fatores naturais: preços das commodities (petróleo), crise hídrica, preços da energia, entraves ao comércio internacional, pandemia do covid, etc., sobre os quais os juros não exercem qualquer influência. Por outro lado, sabe-se também que a elevação dos juros dificulta o financiamento dos negócios e entrava a retomada da produção. Mesmo assim, na sua demência ideológica, o BC promete continuar a elevação da Selic até “ancorar as expectativas” dos agentes que deixariam de subir os preços. É isto que devemos esperar nos próximos tempos: juros contra o corona vírus, São Pedro e as condições climáticas, o comércio mundial etc.

Passemos então à parte mais chata da nossa análise. O que mostram os dados da semana? Citaremos apenas os que se referem a alguns setores. 

As previsões de bancos e consultorias dizem que o BC vai elevar a Selic, dos atuais 9,25 para 11,75% ao longo de 2022 provocando aumento do custo fiscal para o setor público e dificultando empréstimos e financiamentos com consequências negativas para a recuperação da economia. Lembremos que em janeiro a Selic era 2%. A Selic é a taxa de juros oficial de referência que o estado promete pagar pelos seus títulos e obrigações. Tem risco zero e por isso serve de base para as demais taxas cobradas pelos agentes econômicos. Como consequência sua elevação arrasta a elevação geral das taxas de juros da sociedade encarecendo os empréstimos e financiamentos ao consumo e produção. Cria uma dificuldade a mais para a retomada do crescimento. Cauteloso, o BC já reduziu suas projeções para o crescimento do PIB, de 4,72% para 4,4%, em 2021 e de 2,1% para 1%, em 2022.

A Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC) estima que o PIB do país em 2022 terá crescimento entre 0,5% e 1% e que o PIB da construção civil cairá dos 7,6% atuais para 2% no próximo ano. A construção civil é outro dos motores do crescimento por criar muitos empregos.

O endividamento dos consumidores chegou a 60% em agosto e tende a piorar. A queda da renda do trabalho chega a -6,5% em 2021.

Também na agroindústria, nosso carro chefe, a situação é grave. A FGVAgro divulgou seu índice PIMAgro para outubro mostrando queda na produção de -11,3% em relação a 2020. Estre as causas apontadas estão juros, inflação, covid, aumento de custos de produção, mercado de trabalho fraco. O BC também reduziu suas previsões de crescimento do PIB de 2,0% para queda de -0,6%. 

Seguindo o BC, os bancos e consultorias todos fizeram redução nas suas previsões para o PIB. A MCM por exemplo reduziu suas previsões de 5% para 4,4% em 2021 e de 1,4% para 0,1% em 2022. A LCA Consultoria reduziu sua previsão de 1% para 0,7%, em 2022.

Todos consideram que a inflação continuará a crescer, o consumo com a produção a cair e o desemprego tende a aumentar. Eis a estagflação para a qual o BC só tem uma solução que, longe de resolver agrava o problema: Juros nela!

Como vemos parece que 2022 será muito difícil!