Necropolítica no Brasil

Impossível olhar pela janela e não ver a miséria que toma conta do país. Famílias catam no lixo os restos de comida para saciar a fome. As crianças esqueléticas lambem recipientes apodrecidos em busca de alimento. Em três anos de desgoverno Bolsonaro, o Brasil regrediu três décadas em segurança alimentar.

De acordo com os dados revelados pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), o Brasil tem mais de 33 milhões de pessoas passando fome. Além disso, a pesquisa também revelou que 6 em cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar.

Essa situação calamitosa vem se agravando nos últimos anos e não é por mero acaso. Ela resulta do modelo econômico excludente e concentrador de renda em vigor e faz parte da política de Estado. O regime em que o país está submetido chama-se necropolítica. O termo foi cunhado pelo cientista político camaronês Achille Mbembe.

Em seu livro Necropolítica (2011), Mbembe afirma que a necropolítica é o poder que o Estado tem em decidir quem pode viver e quem deve morrer. Esse poder deriva do controle que a minoria branca, escolarizada e rica exerce sobre a maioria da população, constituída por pobres, negros e mestiços com baixa escolaridade.

A pobreza, a fome e a violência que assolam o Brasil não são castigos divinos nem obras do destino. Resultam de políticas deliberadas da elite econômica que dirige o país. As doenças decorrentes da desnutrição, as mortes por falta de assistência médica, a violência que mata milhares de jovens negros nas periferias e as vítimas fatais em decorrência das chuvas poderiam ser evitadas, caso houvesse interesse político. Mas não há.

De acordo com a ONU, em relatório divulgado em 2019, o Brasil tem a segunda maior concentração de renda do mundo. 1% dos brasileiros concentram 28,3% da riqueza. Quase um terço da riqueza gerada no país está nas mãos de 2 milhões de ricos. Enquanto isso, 38% dos trabalhadores ganham até um salário mínimo, que vem perdendo poder de compra com a inflação galopante.

O Brasil precisa ter uma profunda reforma estrutural que abandone a necropolítica existente. Taxação das grandes fortunas, fortalecimento das políticas públicas nas áreas de saúde, segurança, educação, combate efetivo ao racismo, política de inclusão das minorias e promoção do desenvolvimento endógeno mediante o apoio às empresas nacionais são os pontos mais urgentes. Do contrário, continuaremos a ver milhões de brasileiros e brasileiras condenados a morrer de fome no país que está entre os cinco maiores produtores agrícolas do mundo.