O espectro ditatorial

O Ministério da Defesa e as Forças Armadas divulgaram, no dia 30 de março, a ordem do dia em defesa do golpe militar ocorrido no Brasil em 1º de abril de 1964. Na nota, subscrita pelo ministro Walter Braga Neto e pelos demais comandantes das três armas, consta que o golpe foi “um marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época”.

Mais uma vez, a alta cúpula militar perde a oportunidade de realizar uma mea culpa e caminhar na valorização da democracia, assim como os militares alemães, italianos, espanhóis e portugueses, que renegaram o passado autoritário e se tornaram os guardiões das instituições democráticas em seus respectivos países.

O golpe de 1964 foi articulado contra a democracia e as reformas econômicas e sociais clamadas pelos mais pobres. Participaram da conspiração golpista a elite econômica brasileira, os políticos conservadores, o Departamento de Estado norte-americano, a CIA e os militares de alta patente. Nessa ordem hierárquica.

João Goulart, o presidente que assumira o cargo democraticamente, era acusado de ser comunista. Na verdade, Goulart era um rico fazendeiro gaúcho que tinha uma visão nacionalista e sinalizava com reformas de base que incorporariam segmentos mais pobres da sociedade. Seu “comunismo” consistia em tentar romper com um passado oligárquico que ainda predominava na classe dirigente do país.

A ordem do dia diz que os anos posteriores ao golpe de 1964 foram de “estabilidade, segurança, crescimento econômico e amadurecimento político” que levou à paz no país. O que ocorreu no Brasil foi justamente o contrário. Uma onda de perseguição política varreu o país durante os 21 anos que perdurou a ditadura.

O Congresso Nacional foi fechado. A censura estabelecida. Partidos políticos extintos. Milhares de pessoas demitidas e obrigadas ao exílio. Outros milhares foram presos, torturados e seviciados covardemente nas prisões clandestinas. Centenas brutalmente assassinadas. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) registrou um total de 434 pessoas mortas pelos órgãos de repressão.

Na gestão da economia, os militares e os tecnocratas que conduziram o regime militar produziram um desastre. Durante o chamado “milagre brasileiro” (1968-76), período em que foram construídas grandes obras com vultosos empréstimos internacionais, houve uma maior concentração de renda e crescente endividamento externo.

O “Brasil Grande” dos militares significou um aumento no fosso social. Só os grupos empresariais e alguns setores da classe média lucraram. A maioria dos trabalhadores “usufruiu” do arroxo salarial. No final da ditadura, o histriônico e incompetente general João Batista de Oliveira Figueiredo, o último ditador, entregou um país em frangalhos, com uma inflação galopante e crescente desemprego.

Para os saudosistas do regime militar, que teimam em desconhecer a história, deixo a frase do primeiro-ministro inglês Winston Churchill, ferrenho anticomunista, numa tradução livre: “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”