O projeto da elite versus as necessidades do povo

Por David Soares de Souza

A conjuntura econômica mundial consolidada de 2008 termina por exercer uma forte pressão para que os países chamados de emergentes, a exemplo do Brasil, reforcem seus papeis de fornecedores de commodities agrícolas e matérias-primas. Em nosso caso, considerando o tamanho de nossa economia, temos outros efeitos, como a desindustrialização, ajustes fiscais para dar garantias ao rentismo e diminuição dos custos para o capital.

Ou seja, o pacto constitucional de um país que chegou a ser uma das mais pujantes economias mundiais, saindo do Mapa da Fome, gerando emprego e renda, promovendo inclusão social, aumento do mercado consumidor interno e aumento do poder de compra do salário mínimo, passa a não caber mais nos projetos comuns da elite econômica. No final de outubro de 2015, ainda no governo e sem romper com a presidenta Dilma, o então PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, apresentou o documento “Uma ponte para o futuro”, que formulava novas diretrizes para a economia política do país e uma nova relação entre Estado e sociedade. 

Traz o documento do PMDB: “Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia certamente estar menos crítica” (p. 5). Sem tergiversar, é dito que os erros comentidos pelos governos petistas foram criar novas políticas públicas que atuaram para reduzir desigualdades sociais.

O documento critica diretamente a admissão de novos servidores. Afinal, por que ter mais servidores se seria necessária redução da máquina pública, mesmo que a demanda da sociedade seja por mais e melhores política públicas? 

Mas, não bastava suspender políticas públicas e realizar um arrocho fiscal. O documento deixava claro que o problema estava na Constituição de 1988: “No entanto, a parte mais importante dos desequilíbrios é de natureza estrutural e está relacionada à forma como funciona o Estado brasileiro. Ainda que mudássemos completamente o modo de governar o dia a dia, com comedimento e responsabilidade, mesmo assim o problema fiscal persistiria. Para enfrentá-lo teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais, sem o que a crise fiscal voltará sempre, e cada vez mais intratável, até chegarmos finalmente a uma espécie de colapso.” (p.5-6) 

Esta disposição em romper o pacto constitucional ajuda a explicar o crescimento do bolsonarismo. A extrema-direita e sua disposição disruptiva é funcional a este novo modelo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil: antinacional, antipopular e antidemocrático. O conservadorismo político, o ódio de classe, o anticientificismo, o racismo, machismo, a lgbtfobia e todos os tipos de preconceitos que passam a ser naturalizados são outros sintomas bastante evidentes. 

O fato é que, verifica-se uma importante unidade no interior da classe dominante, e aqui falamos do conjunto da elite econômica em seus interesses comuns e não de alguns de seus setores. As grandes riquezas do país passaram a demandar políticas mais agressivas como a flexibilização da legislação trabalhista, Emenda Constitucional 95 que congela investimentos em educação, saúde e assistência social por vinte anos, a reforma da previdência, a reforma administrativa em curso, autonomia do Banco Central,  a retomada da agenda de privatizações, a entrega do Pré-Sal ao capital estrangeiro, até a redução de liberdades democráticas, com a prática de lawfare, cerceamento da liberdade de imprensa e o uso da lei de Segurança Nacional contra militantes políticos. Afinal, é preciso impedir resistências e aumentar a repressão. Na relação entre interesses antagônicos em nosso país, é a classe dominante a mais radical.

Isto explica a declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à agência Sputinik, neste último dia 20 de abril, de que não há motivos para o impeachment de Bolsonaro. FHC disse ainda que este seria um bom caminho para resolver nossos problemas. Se o andar de cima diverge nos métodos, converge nos méritos. Não há nenhuma descontinuidade entre a política econômica do governo de extrema-direita daquela defendida pelas forças políticas da direita neoliberal, que gosta de se chamar de “centro”. 

Em síntese, não haverá solução para os problemas do país a partir do andar de cima. A força política que fará a diferença é a mobilização popular. Aos que, no interior da esquerda, desejam um belo passado pela frente, mostrando que nada aprenderam com os últimos anos, cabe dizer que a retomada do crescimento econômico com preservação ambiental, geração de emprego e distribuição de renda, defesa da soberania nacional, políticas públicas que enfrentem as desigualdades sociais não serão possíveis sem desfazer todo o desmonte praticado desde 2016, a partir do golpe contra a presidenta Dilma. No entanto, estamos em uma época em que coisas óbvias precisam ser ditas. Antes de 2022, temos ainda um longo 2021 com pandemia por enfrentar. Resguardando o aspecto prático da política, a luta agora é por vacina no braço e comida no prato de todas as brasileiras e de todos os brasileiros.