O respeito à pluralidade como modo de combate à intolerância e ao racismo religioso e na construção de uma cultura de paz

É imprescindível para combater a intolerância e o racismo religioso compreendermos que a garantia da laicidade do Estado pressupõe a sua neutralidade em relação às diferentes religiões e credos, assegurando o respeito, a liberdade e a equidade entre todas as pessoas, indiferentemente de suas crenças religiosas ou de suas não-crenças. Além da laicidade do estado é necessário que exista o diálogo inter-religioso e não apenas o ecumenismo. Nesse sentido, faz-se necessário explicar que o ecumenismo está relacionado diretamente ao cristianismo, ao diálogo entre as religiões cristãs. Já o diálogo inter-religioso se refere à relação dialógica entre diversas e diferentes religiões e/ou grupos religiosos, independentes destes serem cristãos ou não.

São muitas e diversas as religiões existentes no mundo, sendo, de tal modo, impraticável catalogá-las. No entanto, de forma bem geral, elas se classificam em três grupos distintos: politeístas, monoteístas e panteístas. Além desses grupos, é importante destacar que existem os não religiosos, ateus ou agnósticos. A religião mais numerosa do mundo ainda é o cristianismo com cerca de  31,5% da população mundial (incluindo católicos romanos, ortodoxos e protestantes). Em seguida vêm os muçulmanos (sunitas e xiitas), com 23,2% do total; os que se declaram ateus, agnósticos ou não-religiosos formam 16,3% da população mundial, percentual superior ao de hindus (15%), budistas (7,1%), seguidores de religiões étnicas ou folclóricas (5,9%) e judeus (0,2%). Esses dados estão disponíveis no primeiro relatório Global Religious Landcaspe (Panorama Global da Religião), feito com dados de quase todo o planeta e organizado pelo Fórum Pew sobre Religião e Vida Pública, parte da organização independente Centro de Pesquisas Pew, em Washington.

No Brasil, segundo o IBGE no censo de 2010, os católicos representam 64% da população; já a população evangélica corresponde a 22%; o grupo dos não religiosos ou Irreligiosos representa 8%; os espíritas: 0,7%; os afroreligiosos correspondem a 1,6% e outras religiões correspondem a 1,3% da população. Há, no entanto, uma pesquisa do Instituto DataFolha de 2019 que  traz outros dados:  Católicos: 50%;  Evangélicos: 31%; Não religiosos ou Irreligiosos: 10%; Espíritas: 3%; Afroreligiosos: 2%; Ateus: 1%; Judeus: 0,3%; e outras religiões: 2%.

O Candomblé é a religião dos Orixás. O Budismo se baseia nos ensinamentos de Sidarta Gautama, conhecido como o Buda. O islamismo se baseia no alcorão. O judaísmo e o cristianismo compartilham as Escrituras hebraicas (o Antigo Testamento) como a Palavra autoritária de Deus, no entanto o Cristianismo também inclui o Novo Testamento no seu código, de tal maneira, o Judaísmo não acredita que Jesus era o Messias, e sim um bom mestre. 

O hinduísmo é a religião oficial da Índia, constituindo a tradição religiosa viva mais antiga do mundo. A Igreja Messiânica Mundial acredita que Deus enviou Meishu-Sama, seu fundador, com a suprema missão de realizar a sagrada obra de salvação da humanidade. Essas são religiões não fundamentadas no Cristianismo. As religiões que podem ser incluídas como cristãs, são: católica, evangélica, umbanda, espirita, jurema, além da igreja Testemunhas de Jeová, do Vale do Amanhecer, do Santo Daime e ainda da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

O catolicismo nasce no Século I, na chamada Terra Santa, área localizada entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, atualmente dividida entre o Estado de Israel e o Estado da Palestina, no antigo Império Romano. Já o cristianismo evangélico surge no século XVII, depois da Reforma Protestante, na década de 1730. Emergiu como um fenômeno distinto do reavivamento religioso que começou na Grã-Bretanha e na Nova Inglaterra. No Brasil o cristianismo evangélico chega ao período colonial com as tentativas francesas e holandesas de se firmarem no país e segue sendo hoje o segundo maior segmento religioso do Brasil. 

O espiritismo surgiu na França no século XIX através de Hippolyte Léon Denizard Rivail, que assumiu posteriormente o pseudônimo de Allan Kardec. A religião espirita traz elementos do Catolicismo primitivo (caridade), do Budismo (reencarnações), do Darwinismo (evolucionismo), além de elementos das crenças esotéricas nos anos 1800. No Brasil seu maior representante foi Francisco Cândido Xavier (1910-2002), conhecido como Chico Xavier.

O candomblé, segundo o pesquisador brasileiro Nei Lopes, é uma religião brasileira de culto aos orixás iorubanos, voduns daomenaos ou inquices bantos. De modo mais geral, o candomblé é uma religião afro-brasileira, que tem sua origem no processo da diáspora africana e que, ao longo de sua história no Brasil, vem sofrendo inúmeras modificações na dinamicidade típica dos universos religiosos.

A Jurema ou catimbó-jurema pode ser definida como uma religião de entidades que fazem trabalhos mágicos como curas, ganhos materiais e limpezas espirituais; dentre as entidades estão mestres (a), caboclos (a), índios (a), exus e pombas-giras, existindo elementos de matrizes diferentes como ioruba, ameríndia e europeia. Ela consiste essencialmente no culto dos mestres (espíritos curadores) e que, com o passar do tempo, acresceu-se de entidades africanas e os caboclos, que também são curadores, além dos exus, ciganas e pombas-giras, estando presente, sobretudo, na área compreendida entre Pernambuco e Rio Grande do Norte, principalmente nas áreas rurais onde se preservou a memória e a identidade indígena. 

A umbanda é entendida como uma religião brasileira resultante de um sincretismo em um processo dinâmico de construção, nascida nas primeiras décadas do século XX do encontro de rituais africanos, ameríndios, do espiritismo kardecista e de elementos do catolicismo popular. 

Na Paraíba o cenário não é tão diferente dos dados referentes ao Censo, citei a pesquisa do Datafolha por ausência de um Censo atualizado. No censo de 2010 no que se refere à Paraíba, temos os seguintes números: Católicos: 77%; Evangélicos: 15%; outras religiões: 2% e não religiosos 6%. Dentre o grupo de outras religiões, encontramos as religiões afro-ameríndias (Candomblé, Umbanda e Jurema ou Catimbó-Jurema), o Budismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, Testemunhas de Jeová, Vale do Amanhecer, Igreja Messiânica Mundial, Santo Daime e ainda a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Certamente as religiões de destaque por possuir um maior número de adeptos são: católica, evangélica, espirita, candomblé, jurema e umbanda. 

Apesar de o Brasil ter a maior população católica do mundo, na última década o catolicismo encolheu cerca de 14% e, certamente, muitos dos católicos progressistas cuja orientação baseava-se nas antigas CEBs – Comunidades Eclesiásticas de Base (comunidades inclusivistas  das décadas de 1970 e 1980 no Brasil e América Latina, ligadas à Igreja Católica e incentivadas pela Teologia da Libertação), estavam dentro desse grupo que encolheu significativamente. 

Outro dado importante é que o grupo dos evangélicos foi o que mais cresceu na ultima década, especialmente os pentecostais e neopentecostais. Junto com ele, cresce o discurso conservador e a teologia da prosperidade, cuja origem se dá em solo norte-americano no século XIX, tendo sida desenvolvida no Brasil na década de 1970, através do bispo Edir Macedo, criador da Igreja Universal do Reino de Deus (LEMOS, 2017).

Importante destacar que nos anos de 1970 os católicos representavam, no Brasil, cerca de 91,8% e os evangélicos eram cerca de 5,2% da população. O crescimento dos evangélicos se deu principalmente nas comunidades pobres, com um discurso salvacionista e de prosperidade financeira. Os pastores e igrejas se multiplicaram e se adaptaram aos diversos públicos, pregando, além da teologia da prosperidade, a pauta dos costumes e seus valores morais intransigentes e fundamentalistas. Esse cenário foi preponderante para o aumento da intolerância religiosa no Brasil, bem como para o racismo religioso. 

Na década de 1990 as igrejas evangélicas criam certo pacto para ingressar na política partidária e formal, e como numa via de mão dupla a política passa a ser um instrumento de cooptação, principalmente nas comunidades e entre as pessoas de baixa renda e escolaridade, ao passo que os fiéis da igreja passam a perpetuar seus lideres de púlpito nas cadeiras do Senado, do Congresso e nas Câmaras de vereadores e deputados estaduais em um crescente movimento de ocupação dos espaços de poder.

Dentre tantas religiões, tantas crenças, o que se pode concluir é que não uma melhor que outra, assim como não há uma mais verdadeira que outra. A pluralidade religiosa e suas muitas vertentes é algo inerente à própria humanidade, por isso, a intolerância religiosa é em si mesmo uma falta de respeito à diversidade, à pluralidade e às liberdades individuais e coletivas previstas inclusive na Constituição Federal de 1988. É, sobretudo, uma profunda ignorância sobre a humanidade e a imensa colcha de retalhos que nos compõe, além de se caracterizar  como um “crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana” (RIVIR, 2015). 

A garantia destes direitos constitucionais e humanos é imprescindível para coibir a violência, o preconceito e o racismo religioso que permeiam a sociedade, oriundos da profunda intolerância religiosa e do racismo estrutural, ambos fundamentados em uma falsa supremacia racial branca e no fundamentalismo religioso que tem cooptado adeptos cada vez mais inclinados ao nazifascismo, a partir do avanço da extrema direita no Brasil e em diversas partes do mundo cujos argumentos são alicerçados em fake news e discursos de ódio.

Todo esse cenário implica necessariamente no aumento da intolerância religiosa, tendo em vista que o discurso conservador e sectário em nada se relaciona com uma cultura de paz, sendo em si mesmo uma incoerência em relação ao Evangelho Cristão. Este discurso é certamente o de Cristãos sem Cristo! E ele tem aumentado exponencialmente o extremismo e o fanatismo religioso, o que por sua vez, contribui para o aumento do racismo religioso que é o retrato da intolerância no Brasil. Tudo isso leva a constantes violações contra templos religiosos, símbolos e contra pessoas, principalmente em relação àquelas que fazem parte das religiões afro-brasileiras, cuja maioria dos adeptos é de pessoas negras e periféricas. Não é coincidência, é um projeto colonialista!

É importante respeitar a individualidade e a coletividade para fomentar a cultura de paz, tão necessária para a humanidade e o planeta, inclusive aos ateus, aos agnósticos, aos irreligiosos. É preciso, sobretudo, respeitar as diferenças, seja de credo, de raça ou de gênero. Além disso, é importante educar para a compreensão de quem somos no mundo, educar para despertar a consciência de equidade e para a necessidade do respeito à diversidade, desconstruindo discursos hegemônicos fundamentalistas, combatendo a intolerância e o racismo religioso, implementando políticas públicas, inclusive e principalmente nas escolas, buscando a promoção da diversidade religiosa e dos Direitos Humanos, essenciais para a construção da cultura de paz, da inclusão e de um mundo sem discursos de ódio e sem intolerância religiosa. 

 

Referências

Relatório de Intolerância e Violência Religiosa – Rivir 2011-2015: resultados preliminares / Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos; organização, Alexandre Brasil Fonseca, Clara Jane Adad. – Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, SDH/PR. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/cnrdr/pdfs/relatorio-de-intolerancia-e-violencia-religiosa-rivir-2015/view. Acesso em 30 Nov. 2022.

The Global Religious Landscape. The Pew Forum on Religion & Public Life. Pew Research center. 18 de dezembro de 2018. Disponível em: https://www.pewresearch.org/religion/2012/12/18/global-religious-landscape-exec/. Acesso em 02 dez. 2022.

LEMOS, Carolyne Santos. Teologia da prosperidade e sua expansão pelo mundo. Revista Eletrônica Espaço Teológico ISSN 2177-952X. Vol. 11, n. 20, jul/dez, 2017, p. 80-96.  Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/reveleteo 80. Acesso em 04 dez. 2022.

50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos e 10% não têm religião, diz Datafolha. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em 06 dez. 2022.

Arte: Ateliê15