Violência política de gênero

Recentemente, no último dia 05, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 14.192 que cuidou de regulamentar a questão da violência política de gênero. O texto foi introduzido no Código Eleitoral e teve por motivação o aumento da representatividade de mulheres no Legislativo e Executivo brasileiro.

A ausência de mulheres em lugares estratégicos fomenta a ideia de que discussões político/sociais não são destinadas à participação feminina, ocasião que, associada às situações de violência política que precisam enfrentar ao atuarem politicamente, resultam em um quadro de desestímulo e desencorajamento na construção de uma carreira pública.

Essa violência se apresenta de diversas formas. Pode ocorrer por meio virtual, por meio de fake news, deep fakes, ou mesmo ataques em suas páginas. Por eleitores ou opositores, de forma gradativa, podendo chegar até a um assassinato.

Ainda na condição de candidata, os ataques podem ocorrer por palavras, interrupções de sua fala, impedimento da fala, sinalização de descrédito, desqualificação ou mesmo insinuações de que a mulher não possui capacidade para a função, violação de sua intimidade, difamação, atribuição de fato ofensivo à sua honra, reputação e, até, desvio de verba de campanha das candidaturas femininas para as masculinas.

Quando já eleitas, mesmo após vencedoras do pleito, segue o desafio. Há violência quando não são indicadas como titulares em comissões ou relatoras de projetos importantes, quando são excluídas de debates (assistimos recentemente isso ocorrer na CPI da COVID, onde as Senadoras praticamente “brigaram” para poder falar), quando são questionadas pela sua forma de vestir ou mesmo quando são questionadas sobre suas vidas privadas.

E nem falamos das práticas veladas! “Histérica”, “nervosa”, “estressada”, “louca”, “desequilibrada” são apenas alguns adjetivos quando são mais assertivas. Também acontece de o homem explicar o óbvio, como se a mulher não fosse capaz de compreender, como se fosse mais limitada intelectualmente. Ah! E quando pedem que a mulher conclua logo seu raciocínio demonstrando clara impaciência em ouvi-la?

Pois bem. Todas essas práticas passaram a ser consideradas violência política de gênero e serão passíveis de punição.

É certo que a violência política por parte do homem contra a mulher não é muita novidade e isso não é de hoje. Mas quando essa violência parte de uma mulher para outra mulher? É possível que isso aconteça?

Sim, é possível. É mais comum do que se imagina. E talvez mais cruel. Isso porque estamos falando de alguém que, por natureza, deveria ter uma empatia de gênero.

Numa certa feita, uma amiga me contou sobre um assalto que sofreu enquanto realizava seu exercício matinal. Ela disse que após a abordagem, viu uma mulher se aproximando. Naquele mesmo instante, sentiu um alívio imediato, porém, pouco duradouro. Ela acreditava que seria ajudada, acolhida, mas aquela mulher fazia parte da gangue que a assaltou. Logo após a abordagem agressiva do bandido, a dor de ser empurrada por uma mulher foi ainda maior. A tal “empatia de gênero” foi pelo ralo abaixo.

Essa foi apenas uma tentativa de trazer aqui a sensação que uma mulher tem ao ser agredida na esfera política por outra mulher. É possível? Sim, é possível. E dói muito mais. É que existe aquele compromisso tácito entre nós de uma defesa mútua.

Por isso a importância da escolha na representação. É importante que seja uma mulher, porém, talvez mais importante do que o sexo biológico são a causa, a fala, os valores, o tipo de conduta que defende.

Já vi parlamentar (mulher) falar da sexualidade de outra mulher, da vida íntima, da forma de outra mulher se vestir (acredite), se fumam, se bebem, se traem seus companheiros, se são traídas, e um total vazio de propostas relevantes para as mulheres, para a sociedade de uma forma geral, mas uma pauta extensa de julgamentos cruéis sobre as outras.

Esse tipo de violência ainda não configura violência política. Para determinadas condutas há tipificação no código penal e correspondente penalização. Todavia, a regulamentação da Violência Política de Gênero é considerada um grande avanço na legislação eleitoral e incentivo para que mais mulheres, acobertadas pela legislação, se exponham a pleitos eleitorais e, por conseguinte, outros postos eletivos além do Legislativo e do Executivo, por analogia. Seguimos avançando e rejeitando toda forma de retrocesso.

 

Imagem que ilustra o artigo: Revista Claudia