Zelensky: de comediante a comandante

Subitamente, Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, virou uma celebridade mundial. Seu perfil no Instagram tem mais de 14,5 milhões de seguidores. Advogado de formação, ator e comediante por profissão, Zelensky decidiu enfrentar o poderio russo, sem vacilar. Pulando de bunker em bunker, o jovem presidente desafia o expansionista Vladimir Putin, como nunca ocorreu nas duas últimas décadas.

Tenente-coronel da temida e extinta KGB (serviço secreto da ex-União Soviética), o presidente soviético, diante da sua imponência bélica, esqueceu a primeira regra da arte da guerra: nunca subestime a resiliência do inimigo. Putin não contava com a coragem e determinação de Zelensky e do povo ucraniano em tentar deter o avanço das tropas russas.

Zelensky, antes de ser eleito presidente da Ucrânia, nunca tinha exercido qualquer mandado político. Logo depois que concluiu o curso de direito, ingressou na carreira artística. Seu currículo registra vários papéis em comédias para a televisão e filmes românticos. Mas foi com a série televisiva Servo do Povo que atingiu sua fama nacional. A série retrata a trajetória de um professor de história que, após fazer um duro pronunciamento em sala de aula contra a corrupção, tem seu discurso virilizado na internet. Com a popularidade alcançada, terminou sendo eleito presidente do país.

Na Ucrânia, a ficção transformou-se em realidade. Empolgado com o sucesso da série, Zelensky criou um partido político de perfil populista com o mesmo nome da série: Servo do Povo. De perfil conservador, esgrimindo o discurso de anticorrupção e campanha focada nas redes sociais, Zelensky apresentou-se como um candidato fora do stablishment político. Em abril de 2019, foi eleito presidente com 73% dos votos.

Por trás do presidente ucraniano existe o empresário bilionário Ihor Kolomoyskyi, dono, entre outras empresas, do canal de televisão que exibia a série protagonizada por Zelensky. Um dos homens mais ricos da Ucrânia, Kolomoyskyi é ferrenho opositor dos separatistas ucranianos que lutam para se separarem de Kiev e inimigo declarado do expansionismo russo.

Há indícios de verdade sobre a acusação de que o governo ucraniano apoia extremistas de direita. O Batalhão Azov, de inspiração neonazista, faz parte da Guarda Nacional Ucraniana. Ele vem ganhando prestígio e poder nos últimos anos por sua ferrenha oposição aos grupos separatistas. Mas não detém tanto poder quanto a propaganda russa tem propalado.

Com a invasão russa, os integrantes do Batalhão Azov estão treinando abertamente os civis em táticas de guerrilha para combater os soldados invasores, adquirindo assim mais poder. A política ucraniana não é preto ou branco, como alguns analistas presumem. Ela tem uma zona cinzenta que ainda precisa ser revelada nos seus pormenores.

Vladimir Putin não esperava que a reação ucraniana, capitaneada pelo presidente Zalensky, fosse tão ferrenha. Nem tampouco que a maioria dos países se posicionasse contra sua invasão de maneira tão efetiva. Putin acreditava que Zelenski rapidamente abandonaria o país, seu governo desmoronaria e a ocupação da Ucrânia fosse um desfile militar sem muitas baixas militares.
Putin estava redondamente equivocado. Mas não pode mais recuar, sob o risco de perder prestígio político interno. Por outro lado, Se a guerra se agravar com milhares de mortos de ambos os lados e as sanções econômicas contra a Rússia se concretizarem, a oligarquia russa que o sustenta pode pensar numa alternativa de poder. Para Putin só resta vencer a guerra o mais rapidamente possível, fato que não está ocorrendo.