Opinião

A gestão Cícero III em 100 dias

Os primeiros 100 dias de um governo trazem, via de regra, o traço ‘genético’ da gestão: revelam as prioridades e ditam o ritmo das ações. É o tempo de as equipes acertarem o passo, afinarem seus instrumentos. 2021, contudo, trouxe notas densas ao repertório de desafios. Falo da crise sanitária e de tudo que reverberou com ela: colapso na saúde, desaceleração da economia, aumento do desemprego. Aos que enfrentaram dilemas de uma transição e iniciaram um trabalho sem informações que possibilitassem planejamento adequado e eficiente, a capacidade de solução de problemas e de investimentos em curto e médio prazos ficou, de certa forma, comprometida.

Não foi o caso de Cícero. A transição ocorreu sem maiores problemas, mas a pandemia da covid-19 impôs grandes contratempos. João Pessoa, desde o início da crise, tem sido o epicentro da doença no Estado. Atualmente concentra mais de 27% do total de casos confirmados. Nesse contexto, equilibrar manutenção da saúde com funcionamento de atividades econômicas e controlar a pressão de setores insatisfeitos com medidas restritivas é tarefa ingrata. Um comando em falso gera insatisfação, desconfiança e agudiza ainda mais a crise. É aí que a experiência entra. Cícero tem conseguido usá-la a seu favor quando dialoga com o empresariado ao passo que procura responder às cobranças por melhoria na estrutura da saúde pública no combate à covid-19.

De janeiro para cá foram abertos em João Pessoa 182 novos leitos de UTI e instaladas quatro usinas de oxigênio para pacientes graves de covid-19. Testagem e vacinação também foram ampliadas, o que colocou a capital paraibana na dianteira em cobertura vacinal com mais 147 mil doses aplicadas. João Pessoa está entre as dez que mais vacinam no país. Por outro lado, a estratégia trouxe problemas como a falta de imunizantes, reclamações e pedidos de explicação por parte do Ministério Público Federal. É o preço pela adoção de determinada política, e resultado também do controle externo a que toda gestão está sujeita. Cabe administrar e solucionar de modo a atender às necessidades da população. Esse é o papel do gestor.

Ainda no enfrentamento à pandemia, a Prefeitura implementou nesses 100 dias uma série de medidas de proteção social com aumento da capacidade do Restaurante Popular e da Cozinha Comunitária, distribuição de cestas básicas, máscaras de proteção e kits de higiene. Ações mportantes, sobretudo, porque ajudam a reduzir o impacto da covid junto aos mais vulneráveis. Uma cidade, no entanto, tem outras demandas nas áreas de infraestrutura, mobilidade, desenvolvimento…

Importa dizer

Cícero não pegou uma terra arrasada, mas precisa de grande esforço para fazer João Pessoa funcionar e acabar com gargalos que travam a cidade. Na mobilidade urbana, anunciou a construção do viaduto sobre a BR 101 no Bairro das Indústrias, as ligações entre o Hospital Universitário e o Altiplano, a PB-008 e Mangabeira V, as Três Ruas dos Bancários e a UFPB. Serão R$ 50 milhões em investimentos graças à parceria com o governo da Paraíba – acordo selado agora com garantia para os próximos anos.

Na habitação, espólio da gestão passada: 192 apartamentos do Residencial Vista do Verde I, no Bairro das Indústrias foram entregues. Faltam mais 192 unidades no Vista Verde II e 890 no complexo habitacional Vista Alegre, no Colinas do Sul, com previsão de entrega até dezembro. Reparos foram feitos nos Conjuntos São José e Saturnino de Brito, o que garantiu maior segurança aos moradores e proteção de área de preservação nesses locais. Há uma mensagem aí: Cícero III não endossou uma velha prática por essas bandas de abandono às ações de adversários políticos. Ele preferiu dar continuidade a projetos que interessam à cidade. Isso inclui o Programa João Pessoa Sustentável.

O pote de ouro

Firmado na gestão Cartaxo, o Programa JP Sustentável pouco andou desde 2018. Menos de 1% dos recursos previstos foi utilizado de acordo com a Unidade Executora do Programa (UEP) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Significa que a atual gestão tem recursos disponíveis para colocar João Pessoa no circuito das cidades inteligentes. São U$ 200 milhões de dólares, dos quais metade é financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A outra metade entra como contrapartida da Prefeitura.

Ver a imagem de origemO Programa trabalha com seis diferentes eixos e seu objetivo é “diminuir a desigualdade urbana, modernizar os instrumentos de planejamento urbano e a prestação de serviços. É também modernizar a administração pública e fiscal com modelo de gestão por resultados e reestruturação da área de receita”. Estão previstas a requalificação do Lixão do Róger, o desassoreamento de 15 quilômetros do Rio Jaguaribe, a construção do Plano de Desenvolvimento das oito comunidades do Complexo Beira Rio, a construção de três habitacionais para atender moradores de áreas de risco dessas comunidades. Para isso, vão ser construídas 565 unidades em três dos terrenos desapropriados. A Prefeitura também prevê a compra assistida de 235 de imóveis. Mais 110 moradores que vivem em áreas não alagadas vão ser transferidos provisoriamente para um assentamento rotativo e receber aluguel social até que suas casas sejam reconstruídas e eles se tornem proprietários dos imóveis de papel passado.

Durante o reassentamento, vão ser instalados quatro escritórios locais (ELOS) nas comunidades. Esses ELOS serão pontos fixos para que a população possa tirar dúvidas. É uma forma de aproximar todas as partes envolvidas e promover uma comunicação efetiva entre Prefeitura e população. O processo licitatório do Complexo Beira Rio foi concluído e a empresa escolhida para elaborar os estudos técnicos e projetos de execução foi anunciada no fim de março. Após a assinatura da ordem de serviço, a vencedora terá 12 meses para a entrega final dos projetos executivos de infraestrutura das comunidades que incluem projetos de pavimentação, drenagem, esgoto, água, iluminação pública, passeios, acessibilidade e projeto do Parque Linear.

Ver a imagem de origemPara além disso, a gestão trabalha com a elaboração de um novo Plano Diretor, instrumento básico e essencial para o desenvolvimento ordenado da cidade e em harmonia com o meio ambiente; com um Plano de redução de riscos e desastres, e com o Plano de Descarbonização. A ideia, de acordo com o Caio Mário, coordenador de Desenvolvimento Urbano da UEP, é “zerar a emissão de carbonos, enfrentar as mudanças climáticas e vinculá-lo a objetivos socioeconômicos. Assim vai ser possível gerar empregos, e melhorar a qualidade de vida do cidadão”.

João Pessoa deve ganhar ainda um Centro de Cooperação da Cidade. O CCC vai funcionar no Centro Administrativo Municipal, no bairro de Água Fria. Terá 1.800 m2 de área construída. Uma espécie de cérebro da cidade que vai interligar cinco áreas distintas (Mobilidade Urbana, Segurança Pública, Samu, Secretaria de Meio Ambiente e Defesa Civil) para dar mais eficiência e efetividade às ações da prefeitura. “Todos os prédios públicos vão ser interligados para reduzir custos com papel e dar respostas rápidas às pessoas”, afirma Hugo Paiva, coordenador do CCC.

Projetos não faltam. Dinheiro, também não. Pelo menos para a execução do Programa. Todas essas ações precisam ser implementadas até 2024. Cícero Lucena tem 3 anos para gerir a crise sanitária e fazer de João Pessoa uma cidade sustentável. Isso exige foco. Não cabem mais críticas ao que passou e nem há tempo a perder.