Imprensa livre para uma democracia forte
Nos últimos anos tem havido um aumento alarmante nos ataques contra jornalistas no Brasil. Há registros de ameaças, intimidações, agressões físicas e até mesmo assassinatos. Jornalistas que investigam casos de corrupção, crime organizado, conflitos agrários, violações dos direitos humanos e outros assuntos sensíveis muitas vezes enfrentam retaliação por parte de grupos poderosos ou indivíduos que buscam silenciar a imprensa para impedir a divulgação das informações. Entre esses indivíduos, um bem famoso: o ex-presidente Jair Bolsonaro. Seus ataques à imprensa acusando-a de produzir fake news quando ele próprio mentia e desinformava foram medidos em números: 415 só nos dois primeiros anos de mandato de acordo com levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). A falta de modos, ameaças e selvageria revelaram o caráter autoritário de seu governo e insuflaram a turba bolsonarista a reproduzir tal violência, além de representarem uma clara violação da liberdade de imprensa e do direito dos jornalistas de exercerem seu trabalho de forma segura e livre de intimidações.
Caso recente: os ataques à jornalista Patrícia Campos Mello. Durante o governo de Jair Bolsonaro, ela enfrentou todo tipo de difamação e tentativas de descredibilização do seu trabalho por parte de grupos alinhados ao presidente Bolsonaro – e por ele estimulados – após a publicação de uma reportagem investigativa no jornal Folha de S.Paulo, em 2018, que revelou um esquema de disseminação de notícias falsas durante as eleições presidenciais. A reportagem de Patrícia Campos Mello trouxe à tona o depoimento de um ex-funcionário de uma empresa de marketing digital, que afirmou que essa empresa havia contratado uma agência de disparo em massa de mensagens via WhatsApp para favorecer a campanha de Jair Bolsonaro. Essa revelação gerou grande repercussão e levantou questões sobre a utilização de práticas ilegais e antiéticas na campanha eleitoral.
Tiago Firbida, coordenador do programa de proteção e segurança da organização não governamental Artigo 19, ao se referir ao goveno Bolsonaro, foi taxativo: “o ataque à imprensa é o carro chefe do programa de desinformação do governo (…) a desinformação, ela não é casual, ela é um projeto que ajuda a perpetuação desse grupo no poder”. Vale destacar: até hoje não houve uma condenação judicial específica de Jair Bolsonaro pelos ataques a Patrícia Campos Mello ou a outros jornalistas. A impunidade é um problema dos mais graves no país porque cria um ambiente que perpetua a violência contra a imprensa e cria um clima de medo e autocensura. Embora o Brasil possua leis e instituições que visam proteger a liberdade de imprensa e garantir a segurança dos profissionais de jornalismo, a efetividade dessas medidas tem sido objeto de debate.
Existem organizações da sociedade civil, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a já citada Artigo 19, que trabalham para monitorar os casos de ataques e violações contra jornalistas, além de fornecer apoio e assistência aos profissionais de imprensa. No entanto, há desafios significativos, como a falta de uma cultura de respeito pela liberdade de imprensa no país. Boa parte da sociedade ainda precisa entender que uma imprensa livre e independente desempenha um papel fundamental no fornecimento de informações precisas, responsabilização do poder público e no fortalecimento dos princípios democráticos, e que jornalistas desempenham um papel crucial ao investigar e relatar notícias, expor irregularidades e abusos para garantir que os cidadãos tenham acesso a informações essenciais e possam tomar decisões fundamentadas e responsáveis.
Uma imprensa livre atua como um contrapeso aos abusos de poder, ajuda a prevenir a corrupção e mantém os cidadãos informados sobre questões importantes que afetam suas vidas. Além disso, os jornalistas atuam, por meio do exercício de seu trabalho, na promoção do debate público saudável, permitindo que diferentes perspectivas sejam ouvidas e consideradas. Portanto, a proteção dos jornalistas e a promoção de uma imprensa livre e independente são essenciais para a saúde da democracia brasileira. O contrário disso é sintoma de uma democracia de baixa intensidade, em que a liberdade de expressão e a pluralidade de vozes são ameaçadas. Fundamental é fortalecer a conscientização social e popular sobre a liberdade de imprensa e a necessidade de um ambiente seguro para os jornalistas exercerem seu trabalho, o que inclui o aprimoramento das leis e instituições de proteção, a promoção de uma cultura de respeito pela liberdade de expressão e o combate à impunidade.
Quando a imprensa é livre, todos ganham!
Dito isto, o mea-culpa…
Os ataques à imprensa cresceram junto com a criminalização da política e a narrativa antissistema que deu força à Lava Jato e ao bolsonarismo. A própria imprensa – ou pelo menos os principais veículos de comunicação – tem sua parcela de culpa nisso.
Recordemos: quando Jair Bolsonaro se colocou como “o messias” enviado para acabar com a corrupção e o comunismo, a grande mídia pouco o rebateu, adotando, muitas vezes, uma postura blasé em relação à verdade. Todavia, pesou a mão na criminalização da esquerda e do PT. Isso evidencia que as empresas de comunicação têm lado e o discurso é escrito e reescrito de acordo com o horizonte político que se desenha e em função de seus interesses. Quando passa a militar por um lado da história, assumindo posição ideológica, a imprensa atua como partido e atua para desequilibrar as regras do jogo democrático.
Outro problema: como a grande mídia está concentrada nas mãos de poucos e, em função disso, é polarizada, a qualidade da comunicação resta comprometida. Isso mostra que há uma necessidade que se impõe: democratizar e pluralizar os meios. É preciso avançar no fortalecimento de uma imprensa plural e independente, capaz de cobrir de forma crítica todos os atores políticos e evitar a concentração de poder e influência nas mãos de poucos.
Todavia…
Ainda que maculada em certa medida pela intervenção do capital uma vez que veículos de comunicação são empresas que vivem de lucro e de relações comerciais, a imprensa é necessária pelo poder de informar que lhe é inerente pois que leva à transparência e a um melhor controle, e pelo lugar que ocupa na prestação de serviço, visto que é ponte entre a sociedade e os representantes de poder, canal de diálogo e caixa de ressonância das necessidades da sociedade.
A autocrítica cabe e deve ser feita diante do cenário de deterioriação da verdade factual e do avanço de uma política autoritária com as digitais da própria imprensa. Além dela, cabe a busca constante pela excelência jornalística com o objetivo de reconstruir a confiança do público e garantir a liberdade de imprensa em sua plenitude.