Aliança pela liberdade?

Em artigo publicado no dia 11 de julho de 2024, Alice Maciel, repórter da Agência Pública, afirma que bolsonaristas articulam na Europa criação de coligação de partidos e organizações de extrema direita. Trata-se de um movimento intitulado Aliança Pela Liberdade, previsto para ser lançado em outubro em Portugal.

Os bolsonaristas citados na matéria são o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o ex-deputado federal (PL-RS) Onyx Lorenzoni (ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro). Segundo Alice Maciel a proposta da Aliança Pela Liberdade se assemelha à do The Movement, criada por Steve Bannon (um dos estrategistas da campanha  de Donald Trump na eleição de 2016)  visando “apoiar o nacionalismo populista e rejeitar a influência do globalismo” e  Eduardo Bolsonaro foi nomeado por ele em 2019 como representante do movimento na América Latina.

O encontro será organizado por integrantes do CPAC (Conservative Political Action Conference – Conferência da Ação Política Conservadora). Criado nos Estados Unidos em 1973 foi lançado publicamente em 1974 e reúne políticos, ativistas, representantes de organizações de direita e extrema direita. E seus encontros são realizados anualmente na cidade de Washington, D.C. Em 2023, completou sua 50ª edição.

Participam as principais lideranças do Partido Republicano e já contou com a presença de  presidentes, Ronald Reagan (1981-1989), George W. Bush (2001-2009) e agora Donald Trump (2017-2020), candidatos à presidente, Mitt Romney  (2012) e vice- presidentes, Dick Cheney (ex-vice-presidente de 2001 a 2009) e que hoje tem como o principal expoente Donald Trump.

Com a vitória eleitoral de Trump e  seu governo, o CPAC ganhou impulso e mesmo sendo derrotado na eleição de 2020, manteve sua influência e hoje existe uma articulação para a formação uma aliança com congêneres em outros países, como no Brasil.

Hoje como alerta o Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo – fundado por ativistas do movimento dos direitos civis dos EUA para combater o ódio e o extremismo dos movimentos da extrema-direita – os Estados Unidos “exportam” para outros países e está presente, entre outros, em  Portugal, Espanha, Austrália, Coreia do Sul, Alemanha, Itália, Irlanda, Japão e Brasil.

Essa  articulação internacional se expressa em encontros como as que ocorreram em abril e maio de 2024, respectivamente em Budapeste (Hungria) e Madri (Espanha).

Em relação à Hungria, Jamil Chade no artigo Extrema direita se reúne na Hungria em articulação para eleições pelo mundo, publicada no UOL no dia 25 de abril de 2024, afirma que  uma das características dos movimentos de extrema direita no mundo, entre outros, são “ataques contra o movimento LGBTQI+, ONGS, intelectuais, imprensa e no caso da Europa, contra imigrantes”.

No encontro de Budapeste estiveram presentes como convidados, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), além de “herdeiros do franquismo, na Espanha, aliados de Donald Trump, deputados paraguaios, membros da equipe de Javier Milei, um ministro israelense, e partidos xenófobos da Itália, Eslovênia, Polônia, França, Alemanha, Áustria e Holanda”.

O encontro de Madri contou com a participação do presidente da Argentina, Javier Milei, Marine Le Pen (França), Andre Ventura (Portugal), líder do Chega e do primeiro- ministro da Polônia Mateusz Morawiecki na época (a extrema direita foi derrotada nas eleições parlamentares de 15 de outubro de 2023), e ainda a primeira-ministra da Itália Giorgia Meloni e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria (1998-2002 e desde 2010) que participaram por meio de videoconferência.

No Brasil, em 2019, Eduardo Bolsonaro criou uma representação do CPAC. Como disse a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil (Editora Todavia, 2021) passa a  posicionar o Brasil no ecossistema da extrema direita internacional e se refere ao papel do CPAC “para alavancar a militância orgânica da extrema direita fora e dentro das redes sociais fomentando a formação de alianças transnacionais”.

Á exemplo  dos Estados Unidos, também realiza conferências anuais. A primeira foi em outubro de 2019, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo (SP). Em 2020, em função da pandemia, não houve. Em 2021, uma segunda edição foi realizada em Brasília (DF). A terceira em 2022, em Campinas (SP), a quarta  em 2023 em Belo Horizonte (MG) e em 2024, a quinta foi realizada em Balneário Camburiú (SC) entre os dias 7 e 8 de julho.

Esta quinta edição contou com representantes da extrema direita da Bolívia, Chile, Argentina, El Salvador, Portugal, Holanda e EUA e teve várias palestras como as de Eduardo Bolsonaro (organizador do evento), do seu pai, Jair Bolsonaro, ex-presidente, do presidente da Argentina Javier Milei, da deputada Rita Matias do partido de extrema direita de Portugal, o Chega, Guilherme Derrite (ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Nikolas Ferreira (Deputado Federal/ PL/MG),  ex-deputado federal (RS) Onyx Lorenzoni, Jorginho Mello (Governador de Santa Catarina) e das deputadas federais do PL/SC Julia Zanatta e Caroline de Toni.

Uma matéria publicada por Alice Maciel, Laura Scofield, Juliana Dal Piva, Natalia Viana  mostra como a extrema direita  tem atuado no Brasil, articulada internacionalmente e cita um levantamento realizado pela Agência Pública junto com o Uol e outros 18 veículos latino-americanos e cinco organizações especializadas em investigação digital, sob a liderança do Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística (CLIP), que Eduardo Bolsonaro participou desde 2018, de ao menos 43 reuniões com lideranças da ultradireita de países da América Latina como México, Venezuela, Chile, Bolívia, Argentina e Colômbia”.

E mesmo depois da derrota do seu pai em outubro de 2022 “foi aos Estados Unidos, para se encontrar com o ex-presidente Donald Trump, reunindo-se também por telefone com Steve Bannon e almoçou com o antigo porta-voz de Trump, Jason Miller, fundador da rede social Gettr”(lançada em julho de 2021 por membros da equipe de Donald Trump, foi criada em função dele ter sido banido do então Twitter, YouTube e Facebook  ao se constatar o incentivo dele à invasão do capitólio em janeiro de 2021) (https://apublica.org/2023/08/como-uma-rede-internacional-de-desinformadores-ajudou-a-tentativa-de-golpe-no-brasil/).

A rede foi utilizada no Brasil por bolsonaristas  como parte de “uma  ação  internacional coordenada para desmerecer o resultado legítimo das eleições brasileiras através de uma campanha de desinformação nunca vista antes no continente”.

O desdobramento desse processo de não reconhecimento das eleições, que ocorreu com Donald Trump em 2020 e Jair Bolsonaro em 2022, resultou nos episódios de janeiro de 2021 no capitólio nos Estados Unidos e a tentativa de golpe no Brasil com invasão e depredação dos prédios de três poderes em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023. E como diz a matéria  uma das principais motivações era justamente a fake news sobre fraude nas urnas.

São esses golpistas, autoritários, intolerantes, racistas, homofóbicos que querem fazer uma Aliança pela liberdade? Pela liberdade ou por (mais uma) ditadura?  Eles se referem a si mesmos como parte de um movimento nacionalista populista e no caso do Brasil um dos objetivos é o de reforçar narrativas de perseguições e ataques à liberdade de expressão e retomar ao poder.

Embora seja fato a articulação da extrema direita no mundo, por outro lado, há vários exemplos de que é possível derrotá-la eleitoralmente, como ocorreu no Brasil em outubro de 2022, com Lula, no México com Claudia Sheinbaum eleita com 59% dos votos pela coligação Sigamos Haciendo Historia, composta pelo Morena (Movimiento de Regeneración Nacional), e partidos menores como Partido do Trabalho e do Partido Verde Ecologista.

E mais recentemente, no início de julho de 2024, o Partido Trabalhista venceu as eleições no Reino Unido e voltou ao poder após 14 anos de hegemonia do Partido Conservador. Uma vitória histórica nas eleições parlamentares elegendo 412 cadeiras dos 650 assentos no Parlamento.

E também há de se destacar a vitória da esquerda no segundo turno das eleições legislativas na França. Com a dissolução do parlamento pelo presidente Emmanuel Macron após a derrota na eleição para o Parlamento Europeu, foi marcado novas eleições legislativas. No primeiro turno,  a extrema direta venceu, mas no segundo turno houve um enorme esforço da esquerda para diminuir a abstenção e principalmente a formação de coalizão para derrotar a extrema direita. E deu resultado: foi formada a Nova Frente Popular, que reuniu forças políticas democráticas e conquistou 182 cadeiras na Assembleia Nacional, sendo o mais votado. O partido do presidente Emmanuel Macron ficou em segundo lugar a extrema direita em terceiro.

O exemplo da França é expressivo, assim como do México e deve servir de referência a outros países, como o Brasil, no enfrentamento da extrema direita. Em relação à França o presidente Lula em publicação no X (ex-Twitter) chamou de “demonstração de grandeza e maturidade” a decisão de formar uma coalizão de centro-esquerda para derrotar a extrema direita, sinalizando que esta deve ser a forma adequada em defesa da democracia.