O estupro à Republica

O rufar dos tambores parece ganhar ritmo mais intenso desde que a primeira-dama, Janja Silva, resolveu visitar o Palácio da Alvorada após a posse do Presidente Lula e publicizou o estado de péssima conservação da moradia presidencial. É como se anunciasse iminente flagrante de atos de improbidade e crimes de responsabilidade.

Qualquer cidadão, ao morar na casa de alguém, sem que seja preciso anúncios ou mesmo explicações detalhadas, tem por dever zelar, conservar e proteger o patrimônio do outro. Há uma responsabilidade ainda, de reparar eventual dano causado ao proprietário quando da desocupação do imóvel.

Mas o “inquilino” do Palácio parece que desconhecia suas obrigações quando se tratava do imóvel pertencente ao povo brasileiro. Em toda sua gestão, o que vimos foi um trato da coisa pública de forma patrimonialista. As cadeiras manchadas, o mofo, os estofados rasgados, as imagens sacras vilipendiadas, os tapetes destecidos e todo o estrago ainda por descobrir revela muito sobre a alma de quem estava ali.

A casa era como se da família presidencial fosse. E ao apresentar o descaso para o dono do patrimônio- o povo brasileiro- o que ocorreu foi um efeito rebote na cabeça de seus admiradores. Os “patriotas” entenderam que era daquela forma que deveriam agir. Essa foi uma das principais marcas de sua gestão: as mensagens subliminares. Os gatilhos certos, sutilmente engatilhados, mas suficientes para produzirem grandes estragos.

Desde subestimar uma pandemia, passando por desdenhar da ciência até zombar de mortos. Pior gestão de crise dos últimos tempos no cenário mundial. Mais adiante, notícias mentirosas, dados sacados ninguém sabe de onde, e faz arminha com dedinho. “Tem que acabar com a petralhada.” Foi assim que multidões albergadas e representadas por sutis exemplos de (mau) comportamento foram reproduzindo em escala industrial e exponencial as “dicas” deixadas pelo seu mito. Ódio instalado em nome de Deus, família, Pátria.

E onde isso tudo desembocou? No maior ataque de vandalismo ao patrimônio público. Lembra do estado de como ele deixou o Palácio? Pois bem! Mais um gatilho ativado! Quebrem tudo! Essa parecia ser a mensagem. E assim, a multidão, em uma espécie de hipnose, marchou para aquilo que representaria a maior destruição de prédios públicos, símbolos dos Poderes do país. Tudo em nome de Deus, da pátria e da família, de novo.

Desnuda ficou a alma dos bolsonaristas e de seu líder maior. Ali, o suco da essência que motiva a espécie estava na sua mais fiel representação. “Os cidadãos de bem”, envolto com a Bandeira Nacional, vestidos com a camisa da seleção, pareciam não entender que cada cadeira, cada máquina, cada vidraça pertencia àquela nação! Pátria? Onde? Brasão da República exposto em meio à praça, amparado em cadeira de Ministro da Suprema Corte.

Ele dá o mote! Seu povo entende rapidamente e age em dose cavalar. Depois ele diz que não apoia, mas tem discurso dúbio. Não consegue deixar de fazer referência ao partido adversário quando compara o dia 08/01/23 a uma situação ocorrida em 2003 e 2017. Nenhuma semelhança. Nem de longe. Ele assopra e morde. Mas antes, se afasta. Creio que assista à distância. Talvez vibrando, gargalhando. Mas no discurso, não apoia. Ah, não podemos esquecer que também passa mal. O tipo atlético que jamais morreria de COVID-19, o imbrochável, geralmente passa mal quando é chamado à responsabilidade. Como adolescente que aprontou algo errado, com frequência, desaparece. Mal-estar, dor de barriga, cuidados médicos.

Seu eloquente silêncio, desde que derrotado nas urnas, fala muito de sua falta de dignidade em saber perder. Como criança birrenta, correu para o quarto e trancou a porta (no caso dele, foi para os EUA no avião da FAB mesmo). Não passou a faixa (nos fez um grande favor de ajudar a proporcionar o que seria o momento mais simbólico da história da democracia).

Ele chora. Mas chora diante dos representantes das forças armadas. Sobre mortes por falta de vacina (afinal era da China), aí já é mimimi! Suas lágrimas não nos convencem. Pelo menos não a mais da metade dos brasileiros. Porque durante quatro anos vimos um governante que falava “tá okay” após o final de cada fala como se isso fosse termo que determinasse que o problema estava resolvido, mas nada estava.

E o rufar dos tambores ecoam mais forte a cada tictac do relógio. O ritmo se intensifica e o corredor da condenação se aproxima. A conta chega para todos. Não tem saída.

Quanto aos “patriotas”, bem, precisamos rever o conceito dessa palavra para que as próximas gerações não sejam erroneamente ensinadas. Ah, detalhe! Estão reclamando da comida enquanto aguardam o momento do depoimento. Ora, ora… não estão “fazendo história?” É preciso suportar o ônus! E vem mais por aí! De novo, a conta chega!

 

Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo