Brasil

Governo Bolsonaro mantém sigilo de cem anos e nega acesso a processo contra Pazuello

Uma comissão formada por servidores de alto escalão de sete ministérios do governo negou pedido da Folha e manteve sigilo de cem anos ao processo interno do Exército que decidiu não aplicar nenhuma punição ao general Eduardo Pazuello pela participação em um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em maio de 2021.

O argumento principal da negativa é que a divulgação dos documentos representa risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército.

Pazuello, que é ex-ministro da Saúde e hoje tem cargo de assessor especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, subiu ao palanque do Bolsonaro após um passeio de moto com apoiadores no Rio de Janeiro. Na ocasião, o presidente atacou as medidas de prevenção à Covid e, ao lado do general, afirmou: “Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa”.

A vedação de participação em atos políticos, existente para militares da ativa, está prevista no regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, e no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980.

A decisão de livrar Pazuello foi do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que cedeu à pressão de Bolsonaro para que o aliado não fosse punido.

No texto de resposta ao pedido da Folha, a CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações) diz que “o fato de não haver punição não pode ser compreendido como ausência de risco aos pilares da hierarquia e disciplina, expressos no art. 142 da Constituição Federal.”

O documento é assinado por servidores do alto escalão da Casa Civil, Advocacia-Geral da União, Economia, Defesa, Relações Exteriores, Justiça e Controladoria-Geral da União e contra ele não cabe recurso na esfera do governo. A CMRI é a última instância administrativa para pedidos de Lei de Acesso à Informação.

O comando do Exército foi o primeiro a negar, por duas vezes, o pedido de acesso aos documentos relativos ao processo. A Folha recorreu e a CGU atendeu parcialmente ao pedido, liberando apenas o extrato resumido do procedimento administrativo.

Relatório da CGU que foi usado como base para a decisão do grupo interministerial afirma que o Exército argumentou, entre outros pontos, que a publicidade dos documentos irá afetar a imagem do comandante da Força.

“[O comando do Exército] defendeu que (…) a questão em tela [o sigilo de 100 anos] objetiva preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do oficial [Pazuello], bem como resguardar os preceitos constitucionais da hierarquia e da disciplina, no âmbito das Forças Armadas”, diz o texto citado na instrução do caso pela CGU.

“Além disso”, prossegue a instrução da controladoria, o Exército destacou que “a divulgação de processo administrativo disciplinar afeta a imagem do superior hierárquico [o general Paulo Sérgio] com reflexos na liderança e menoscabo dos preceitos hierárquicos e disciplinares, imprescindíveis à sobrevivência das Forças Armadas”.

O argumento do Exército é o de que o caso se enquadra no trecho da Lei de Acesso à Informação que trata de informações pessoais, mesmo tendo se tratado de um evento político público, com farta divulgação nas redes sociais do presidente da República.

O trecho mencionado é o que fala de respeito à intimidade e à vida privada de pessoas envolvidas. Assim, “informações pessoais” terão acesso restrito, “independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem”.

Com informações da Folha de São Paulo