Permanência de Milton Ribeiro no governo está ameaçada após revelação de gabinete paralelo no MEC
Segundo apurou o Estadão, o que desagradou a bancada evangélica é o fato dos dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, que têm controlado a agenda do MEC, serem “desconhecidos” em Brasília. Dessa maneira, não haveria ganho político algum com favorecimento a cidades com verbas do MEC. A intenção agora, às vésperas das eleições, é que o ministro seja substituído por um político evangélico ligado ao Centrão. “Não é hora para técnico na educação agora”, disse uma fonte ao Estadão.
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou nesta terça-feira, 22, que o ministro Ribeiro não chegou ao governo pelas mãos dos evangélicos. Ele demonstrou irritação com o gabinete paralelo comandado por pastores e disse que eles não têm ligação com os deputados do seguimento. “Quais pastores? Aqueles dois pastores Zé Ruela? Não conheço, nunca vi, só o ministro pode explicar”, afirmou.
O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é um dos que já está pedindo a troca do cargo. Ele já teria telefonado a integrantes do governo descontente com as denúncias reveladas pelo Estadão.
A briga pelo ministério da Educação começou há alguns meses quando o próprio governo pediu a Ribeiro que se filiasse a um partido, para ser um potencial candidato. Ele, no entanto, não concordou por acreditar que não teria votos para ser eleito a cargo algum. Agora, segundo fontes, há a possibilidade de essa ideia voltar para que o Ribeiro saia do MEC sem ser demitido.
Nesta terça-feira, 22, após as denúncias, o próprio Ribeiro já tem dito que pode pedir para sair do cargo e deixar o secretário executivo Victor Godoy Veiga em seu lugar. O pastor é o terceiro ministro da Educação do governo Bolsonaro, no cargo desde julho de 2020.
De acordo com o Sóstenes, o padrinho da indicação de Ribeiro ao MEC foi o ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça, que na época era chefe da Advocacia-Geral da União (AGU). “Se dependesse da gente o ministro seria o Anderson, reitor do ITA, se dependesse de alguns parlamentares da frente evangélica. Nunca foi ele”, disse. O chefe da MEC é evangélico e foi reitor da Universidades Presbiteriana Mackenzie.
Deputados afirmam que vão acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o ministro seja investigado por suspeita de improbidade administrativa e crime de Gilmar Santos e Arilton Moura, que, como revelou o Estadão, controlam a agenda do ministro Milton Ribeiro, entre outras irregularidades. Os deputados federais Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) protocolaram pedidos para que a PGR apure as denúncias contra o ministro. O pedetista também apresentou requerimento para que Ribeiro seja convocado a prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados.
O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) prometeu acionar o Ministério Público e a PGR ainda nesta terça-feira, 22,. Segundo ele, Ribeiro é suspeito de tráfico de influência, além de improbidade.
“Não podemos tratar como ‘novo normal’ absurdos e/ou cometimento de crimes. Ainda hoje vamos cobrar providências do PGR contra o ministro da Educação, por possível improbidade administrativa, e investigações do MPF sobre o gabinete paralelo da Educação, por tráfico de influência”, publicou o parlamentar em uma rede social.
Como mostrou o Estadão, a atuação de Ribeiro tem sido “dirigida” por um grupo de pastores sem nenhum vínculo com a Pasta ou o tema Educação. Capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura, o “gabinete paralelo” age para facilitar a liberação de recursos, permitir o acesso de outras pessoas ao ministro e interferir na gestão da Pasta.
Ontem, a Folha de S. Paulo publicou o áudio de uma conversa do ministro em que ele diz atender às demandas do grupo de pastores a pedido do presidente Jair Bolsonaro. O Estadão já havia revelado que a ligação dos pastores com o presidente Bolsonaro e outros membros do governo é anterior à captura do MEC. Em vídeos e fotos aos quais o Estadão teve acesso, o ministro já dizia que cumpria a agenda organizada pelos pastores.
Nas redes sociais, internautas estão pedindo a demissão de Ribeiro. Levantamento feito pela consultoria AP Exata nesta terça-feira, 22, mostrou que perfis acusam o governo de corrupção e pedem apuração do caso pela Justiça após série de reportagens do Estadão mostrar a captura do ministério por um grupo de pastores ligados a Ribeiro.
Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro e os próprios pastores também são alvos dos pedidos de investigação. Segundo a Coluna do Estadão, a bancada do PSOL na Câmara informou que protocolará nesta terça representação no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério Público Federal (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) contra o chefe do Executivo e os pastores, além do próprio ministro.
“A troco de que esses dois pastores, que não têm cargo no governo federal e não ocupam função pública, estariam legitimados pelo presidente Bolsonaro como interlocutores de prefeitos junto ao gabinete do ministro da Educação, que também é chefiado por um pastor? O gabinete paralelo da Educação, criado pelo governo Bolsonaro, afeta diretamente a distribuição dos recursos do FNDE”, disse Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
Já seu colega de bancada, Ivan Valente (PSOL-SP), fez hoje representações à Presidência da República e à Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) também cobrando que o ministro seja investigado por tráfico de influência por ter se aproveitado “de sua posição de prestígio para a concessão de vantagens a terceiros, utilizando a Secretaria de Educação para transferir recursos do MEC para municípios selecionados com critérios religiosos”. De acordo com o parlamentar, por sua vez, os pastores praticaram o crime de usurpação de função pública por exercerem atividades do governo “sem estarem investidos de cargos públicos com competência para isso”.
“Extrai-se de forma cristalina que os pastores têm atuado ilegalmente, intermediando o acesso a autoridades e a liberação de recursos do Ministério da Educação para prefeituras, atribuições atinentes a ocupantes de cargos” na administração pública, diz a representação do psolista.
A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) classificou a atitude do ministro como “escandalosa” e afirmou que ele “vai cair”. Ela se soma à lista de parlamentares que estão recorrendo à Procuradoria-Geral da República. “O MEC mais incompetente da história é também antro de corrupção, improbidade administrativa e tráfico de influências. São escandalosos os áudios em que o próprio ministro mostra que o objetivo dele nunca foi a educação. Vamos cobrar providências do PGR”, Tabata escreveu.
O deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG) classificou os áudios do ministro como “gravíssimos” e disse ter protocolado convocação para que Ribeiro preste esclarecimentos na Câmara dos Deputados, assim como fez Gadêlha. “O áudio do ministro da Educação é gravíssimo e reforça suspeita de que dinheiro público é usado p/ beneficiar pastores aliados do governo”, publicou ele.
O ex-ministro da Educação Aloízio Mercadante (governo Dilma Rousseff) disse ser “inaceitável que os recursos da educação brasileira sejam geridos por interesses e indicações de amigos do presidente da República”. Mercadante classificou o caso como uma “grave denúncia”. Afirmou, ainda, que, “é evidente” que os repasses do orçamento do Ministério da Educação devem seguir “critérios técnicos e republicanos” para impulsionar o avanço do sistema educacional e dar apoio às redes de ensino.
“A gestão de Milton Ribeiro à frente do Ministério da Educação tem sido marcada pela confusão entre o exercício do cargo e a condição de líder religioso do ministro, ainda que o Estado brasileiro seja laico”, disse, em nota, o ex-ministro, que hoje preside a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. “Não é aceitável que mais essa grave denúncia, envolvendo supostos crimes de tráfico de influência e improbidade administrativa, fique sem resposta. Os órgãos de controle e de investigação, como TCU, Ministério Público, Polícia Federal e CGU, devem à sociedade brasileira uma rigorosa apuração das denúncias. Da mesma forma, o Congresso Nacional deve exercer o papel constitucional e acionar os mecanismos de investigação do executivo”, destacou Mercadante.
Em nota, a PGR afirmou que, até o momento, não recebeu nenhuma representação. “Como de praxe, qualquer representação acerca do tema que eventualmente seja protocolada, será devidamente analisada pela assessoria competente e as providências cabíveis tomadas e informadas nos respectivos autos”, disse o órgão.