Opinião

Legado de Marielle: a organização coletiva é arma contra a tirania

Há menos de um mês, em 22 de fevereiro, O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que o caso de Marielle seja investigado com rigor. A vereadora carioca, eleita pelo PSOL-RJ, e seu motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros depois de um dia de intensa agenda de trabalho. Cinco anos se passaram desde então sem que o mandante do crime fosse identificado e preso.

Em julho de 2021 um homem foi detido na Paraíba suspeito de participação nas execuções que, ao que tudo indica, tiveram motivação política. Outros dois acusados também acabaram presos, entre eles o policial reformado Ronnie Lessa, ex-vizinho de Jair Bolsonaro no Vivendas da Barra, um condomínio de alto padrão no Rio de Janeiro incompatível com a renda do PM.

O caso Marielle é marcado por muitas interrogações e uma série de interferências com direito a troca-troca de delegados e de promotores, o que resultou em perda de continuidade e impunidade. Cinco anos e a pergunta que não cala: quem mandou matar Marielle? Em decorrência desta, muitas outras questões: por quê? Onde está a arma do crime? O aparato do Estado foi usado para proteger alguém? Quem?

A falta de respostas denuncia a ineficiência das instituições. Se funcionam, é pra poucos – geralmente para brancos. As execuções de Marielle e Anderson são o símbolo maior de um sistema que mata negros, de uma política de ódio que silencia vozes plurais e censura o contraditório. Nos brasis periféricos, marginalizados, sujeitos são tolhidos do direito de se expressar e são calados todos os dias assim como Marielle, mulher preta, mãe solo, periférica e LGBT. Ela e Anderson viraram estatística e integram os 70% dos inquéritos de assassinatos sem desfecho no país. Sim, no Brasil, sete em cada 10 homicídios não são solucionados (Fonte: Instituto Sou da Paz).

Apesar do tempo que depõe contra as investigações, apesar de matarem o corpo de Marielle, a causa permanece. Ela é presente porque a causa também está. Não foi só produto das massas, foi também voz das massas. E quanto mais a organização popular era criminalizada no Brasil, Marielle furava bloqueios e plantava sementes. Foi a quinta candidata mais votada do Rio à época e a segunda mulher mais votada para o parlamento municipal em todo o país. Marielle foi e é movimento. Os três tiros na cabeça e outro no pescoço da jovem de 38 anos não calaram outras milhares de Marielles, de pretos, de pardos e brancos pobres continuamente invisibilizados e massacrados pelo mesmo sistema que Marielle peitou.

E nesses anos sem Marielle, sem Anderson, sem tantos outros executados porque são pretos, pardos e pobres em um país racista, porque questionam e incomodam gente autoritária, porque denunciam e ameaçam as violências cometidas muitas vezes pelo estado e seus agentes, cabe uma outra pergunta: temos a democracia que queremos, que responde às nossas expectativas e atende a todos conforme suas necessidades?

Nossa democracia foi testada nas urnas, passou por um longo processo de corrosão, demonstrando resiliência e capacidade de resistência ao derrotar as forças conservadoras e fundamentalistas que não admitem o diálogo e desmontam as políticas de bem-estar social. Todavia, o retrocesso que ontem nos assombrou permanece, e à espreita estão os que operam, inclusive, para que o caso Marielle permaneça sem solução. Contra estes, mobilização popular, vigilância e cobrança para que as instituições da Democracia combatam a opressão e a violência policial, social, política, de gênero ou quaisquer que sejam as formas que se apresentem.  Era o que fazia Marielle em vida. É o que ela inspira até hoje e talvez esse seja seu maior legado: mostrar que a organização coletiva é chave e arma contra a tirania dos maus.