Opinião

Desafios na Saúde Pública de João Pessoa e do país

A Secretaria de Saúde de João Pessoa tem uma nova titular interna: Janine Lucena, filha do prefeito Cícero Lucena, foi nomeada nesta quarta-feira (09). Ela já é a secretária-executiva e assume depois da renúncia do secretário de Saúde de João Pessoa, o médico intensivista Luís Ferreira. É o quarto nome da Pasta, com enormes desafios, em três anos. A mudança ocorre em uma semana delicada, com notícia da exoneração de 20 servidores investigados pela direção do Trauminha de Mangabeira por extorsão de pacientes. Investigações deram conta de que grupo cobrava por serviços garantidos gratuitamente pelo SUS.

Irregularidades diversas envolvendo o Trauminha já são de conhecimento público e se arrastam há ano com medidas de “ataque” em doses homeopáticas para evitar o fechamento completo da Unidade. Alas do Complexo Hospitalar, por exemplo, foram interditadas eticamente inúmeras vezes pelo Conselho Regional de Medicina (interdição ética paralisa as atividades médicas apenas). Se há um fato positivo em meio ao trauma registrado agora  – com o perdão do trocadinho -, é a publicidade dada ao caso e o interesse da administração de sanar esse mal. Quanto mais transparência, melhor.

Todavia, não basta tratar os sintomas, até porque não é exagero dizer que a percepção da população em relação à gestão da cidade está muito atrelada a da Saúde. Se esta dá sinais de instabilidade e ineficiência, respinga na avaliação geral. Uma crise mal gerenciada pode ter um alto custo político, com repercussões eleitorais.

Historicamente pesquisas mostram que as maiores preocupações e demandas da população, independentemente da região do país, são por acesso à saúde e educação ampla e de qualidade. Não à toa os artigos 198 e 212 da Constituição de 1988 estabelecem que uma parte da receita deve ser usada nessas duas áreas.

Na educação, a União deve usar pelo menos 18%, os estados 25% e os municípios 25%. Na saúde, os valores obrigatórios são 15% para a União, 12% e 15% para estados e municípios respectivamente. Bom frisar que este não é o teto, mas o percentual mínimo de investimentos para suprir o mínimo necessário às populações mais carentes.

Fazendo o recorte apenas da Saúde: dados da ANS, a Agência Nacional de Saúde, dão conta de que 24,5% da população têm plano de assistência médica. Significa que 74,5% não tem, o que equivale a quase 164 milhões de pessoas. Daí se tira a importância dos recursos aplicados na área. Detalhe: o sistema público também absorve boa parte dos que têm plano de saúde, do mais simples ao mais completo.

A vacina da covid-19, por exemplo, só está disponível no SUS. Sofreu acidente e o Samu foi acionado? O Samu é SUS. Precisou do Hospital de Trauma – especializado em traumatologia, queimados e outros serviços de urgência e emergência clínico-cirúrgica de baixa, média e alta complexidade? O Trauma é SUS. O financimento público da Saúde é, portanto, mais que uma questão de justiça social, é uma necessidade básica. Ainda mais porque não um negócio empresarial, comprometido com o lucro, mas a materialização do direito universal à saúde garantido pela Constituição.

Dito isso, importante frisar que qualquer corte na Saúde representa uma perda, muitas vezes irreparável, na qualidade de vida de quem só tem o sistema público como opção. Nos últimos dias de julho, o governo federal bloqueou recursos de algumas pastas. Contingenciamento de R$1,5 bilhão. A maior fatia na Saúde: R$ 452 milhões. Educação veio logo em seguida: R$ 333 milhões.

Foi o segundo bloqueio no ano em gastos discricionários, ou seja, não obrigatórios, somando R$ 3,2 bilhões para serem aplicados em outro momento. De acordo com o governo, medida necessária em função do  teto de gastos, uma vez que o novo marco fiscal ainda não foi aprovado.

O teto de gastos foi aprovado e instituído no governo Michel Temer (MDB). Uma medida regressiva, que restringe, por duas décadas, investimentos sociais fundamentais em áreas como Saúde e Educação ao índice de inflação do ano anterior, com impacto direto e profundo sobre os mais pobres. É o estado mínimo em essência. Para além desta, há outra discussão que importa: a má gestão dos recursos, incluindo os humanos.

Mais: apesar da obrigação constitucional no que diz respeito aos investimentos na área, não é da competência da União decidir sobre a gestão do SUS nos Municípios. São estes, e seus gestores, que devem fazer da saúde uma prioridade, o que exige, entre outras coisas, a valorização dos profissionais  e um  sistema rigoroso de controle para evitar fraudes, desvios e qualquer tipo de conduta ilícita como a registrada no Trauminha.