“O que há de especial na Paraíba?” Alguém tem resposta para Avenzoar Arruda?

No último mês de maio, em seu perfil em uma rede social, o ex-deputado federal Avenzoar Arruda escreveu o seguinte: “Considerando que todos os partidos de esquerda abriram mão de seus projetos nacionais para apoiar Lula, e considerando que a divisão na base de apoio desse projeto é contraditória com a narrativa de abandono dos projetos nacionais em nome dessa causa, pergunta-se: Por que não se forma uma chapa com João Azevêdo para governador e Ricardo Coutinho para o Senado, e os demais apoiadores de Lula abririam mão dos seus projetos estaduais? O que há de especial na Paraíba?”

Avenzoar chama atenção para um fato que deveria ser óbvio. Consolidou-se na esquerda brasileira a ideia de que, diante da ameaça de um governo com inspirações neofascistas, é preciso construir uma frente ampla para preservar a democracia. Assim, em tese, as identidades programáticas ficam suspensas e as forças democratas formariam amplos palanques, a exemplo do que já ocorreu na memorável campanha das Diretas Já.

Para não dizer que não falei das flores, a esquerda poderia ter adotado outro entendimento e denunciar o neoliberalismo e o bolsonarismo como duas faces da mesma moeda. Não à toa, são os partidos que promoveram o golpe parlamentar contra Dilma, os mesmos que dão sustentação à pauta econômica do governo Bolsonaro no Congresso. Desde a Reforma Trabalhista, passando pela Previdenciária, Emenda Constitucional 95 (PEC do Teto dos Gasto), autonomia do Banco Central, política de preços da Petrobrás, privatização da Eletrobrás até o desmonte do Estado brasileirO, já estavam bem descritos no documento “Ponte para o Futuro” elaborado pelo MDB.

Além disso, os números do presidente Lula nas pesquisas dialogam muito mais com a pauta econômica que vem castigando o povo com desemprego, inflação e fome do que com suas alianças. Ou seja, não é por conta de suas alianças que o povo está disposto a votar em Lula, mas por causa da esperança em dias melhores, independente de quem seja o seu vice ou seus apoiadores nos estados. Quanto à governabilidade, alianças mais amplas tendem a neutralizar a possibilidade de transferência dos votos em Lula para senadores e deputados federais do PT e de demais partidos de esquerda, como PCdoB e PSOL.

Porém, reconhecendo os fatos consumados assim como são, está consolidada a ideia de amplas alianças para derrotar o bolsonarismo. É comum ouvir de dirigentes partidários o argumento de que não é hora de pensarmos em divergências e sim de buscar convergências para derrotar a extrema-direita nas urnas. Então, aqui voltamos à pergunta de Avenzoar Arruda: por que as mesmas forças políticas que, na Paraíba, justificam a necessidade de amplas alianças em nível nacional rejeitam no estado a possibilidade de alianças com o partido do candidato a vice-presidente de Lula, o PSB? O que justifica esta incoerência?

Há outra incoerência. Em passado menos recente, o PT da Paraíba defendia a aliança com o então governador José Maranhão (MDB), alegando a importância de ter um governo de estado como base de apoio do projeto nacional. Qual é a lógica, portanto, de recusar construir com um governador em exercício, eleito com o apoio do PT e que compõe, formalmente, a aliança do presidente Lula?

O problema, certamente, não é arco de alianças, afinal João Azevêdo (PSB) não fez ou não faz nenhuma aliança diferente daquelas que já foram realizados por Ricardo Coutinho (PT). Ao contrário, Azevêdo foi eleito como sucessor de Coutinho em palanque articulado pelo ex-governador.

O problema também não é programático, afinal do ponto de vista da gestão, Azevêdo representa a continuidade do modelo aplicado por Coutinho. Inclusive, de acordo com o próprio Coutinho na campanha de 2018, era Azevêdo um de seus principais quadros no secretariado, ao ponto de ser escolhido para dar continuidade ao projeto.

Nem mesmo o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB) ao romper com o atual governador indicou questões ideológicas para esta ruptura. Chama atenção que a pré-candidatura de Veneziano ao governo do Estado é apoiada por setores petistas que, em passado recente, o atacaram por seu apoio ao golpe parlamentar que derrubou injustamente a presidente Dilma Rousseff. Não consta que Veneziano tenha realizado autocrítica, foram seus aliados petistas que tiveram que engolir o que disseram o seu respeito.

Ao mesmo tempo, não é possível ignorar a trajetória do ex-governador Ricardo Coutinho. Entre todos os nomes que estão postos na atual agenda política da Paraíba, apenas Coutinho e seu sucessor não herdaram mandatos políticos dos pais. Ricardo Coutinho significou uma derrota para as antigas oligarquias no estado e sua liderança representa uma construção coletiva que vem desde a base. Não existiria Ricardo Coutinho com a força que ele tem na política estadual se também existissem o Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores, que ajudou a fundar na Paraíba, e suas experiências nas gestões da prefeitura de João Pessoa e governo da Paraíba, que o estabeleceram como a principal liderança do campo democrático-popular no estado.

Desta forma, Avenzoar Arruda tem razão ao perguntar: se em nível nacional a esquerda topa fazer alianças com antigos adversários para derrotar um inimigo comum, por que na Paraíba, diante da fragilidade do campo conservador, não se estabelece a unidade do campo democrático? Agora com o apoio de Lula e o desgaste do Bolsonaro, o palanque que obteve 58,18% já no primeiro turno naquele ano não estaria agora ainda mais forte? E mais, sendo o senador na chapa de João Azevêdo não seria Ricardo Coutinho o nome natural à sua sucessão em 2026, consolidando o papel de coadjuvante das antigas oligarquias.

A crise na qual se encontram o PT e a esquerda na Paraíba é resultado da política pragmática presente em todas as suas tendências. Precisamos, mais que nunca, de bons formuladores para os desafios concretos e objetivos que estão postos. A perspicácia e a capacidade de análise de Avenzoar Arruda mostram o quanto ele faz falta nas tribunas. A esquerda petista, particularmente, ainda se ressente de um quadro militante com sua capacidade de formulação e interlocução com a opinião pública. Por ora, há um “decifra-me ou te devoro” para o PT e demais partidos de esquerda: o que há de especial na Paraíba?