Por que Feitosa ficou no PT?

No último dia 24 de março, a maioria da Direção Nacional do PT resolveu punir quatro filiados na Paraíba, em processo referente às eleições municipais de João Pessoa, 17 meses depois. Em 2020, o Diretório Municipal resolveu manter a candidatura própria na capital, contrariando a Direção Nacional. Foram punidos com suspensão dos direitos partidários por três meses: Anselmo Castilho, Giucélia Figueiredo e Josenilton Feitosa. Já o deputado estadual Anísio Maia recebeu como punição a suspensão dos direitos partidários por seis meses.

Anselmo Castilho e Anísio Maia resolveram sair dos quadros do PT e migraram para o PSB. Anselmo Castilho chamou atenção para o fato de que foi punido por ter exercido seu papel profissional como advogado e, desta forma, não encontrava mais clima para permanecer no PT. Já Anísio Maia, caso permanecesse no partido, na prática perderia o direito de disputar a reeleição porque não teria legenda. A súmula a ser enviada para o TRE não apresentaria o seu nome como filiado apto com ao menos seis meses de filiação antes do pleito.

Ou seja, ao decidir esperar por 17 meses para tomar esta decisão e escolhendo o prazo limite da janela partidária para fazê-lo, a maioria da Direção Nacional retiraria de Anísio Maia um direito que estava além do princípio da própria punição de suspensão. Em tese, a suspensão é uma punição mais branda que a expulsão. Porém, a instância nacional não atuou apenas como Direção política, mas como Corte Eleitoral, visto que esta suspensão teria como efeito a retirada de um direito político. Hoje, mesmo no PSB, o deputado Anísio Maia conta com apoio e solidariedade de grande parte dos petistas da Paraíba.

Porém, chamou atenção nota do dirigente Josenilton Feitosa explicando os motivos de, mesmo com severas críticas à condução do partido, ter decidido permanecer no PT. Feitosa chega a dizer que “o programa do PT se esgotou, suas alianças são do céu ao inferno e seu estatuto não é mais respeitado pela maioria da direção partidária”.

Em seguida, elenca alguns motivos que justificam sua permanência aqui resumidos: a sua saída enfraqueceria a luta da esquerda petista e beneficiaria os oportunistas do partido; suas ações e suas escolhas de vida passam por uma construção coletiva; e, embora haja esgotamentos das posições socialistas do PT, é no partido que estão concentrados a maior quantidade de lutadores e lutadoras do povo.

Todos esses argumentos são plausíveis. E poderíamos acrescentar mais alguns. Primeiro, dentro da perspectiva apresentada por Feitosa, se ele saísse do PT iria para onde? Qual é o partido de esquerda brasileira que se apresenta como alternativa ao PT, com suas virtudes e sem seus defeitos? É mais fácil encontrar alguns com seus defeitos, mas sem suas virtudes. Aqueles problemas que são listados dentro do PT, são comuns a todas as demais legendas partidárias da esquerda brasileira, ao menos aquelas que dispõe de força para disputa eleitoral.

Mas, Feitosa poderia migrar para um partido de extrema-esquerda, viver sem contradições entre sua teoria e prática e dormir com as leituras em dia. Neste caso, a comparação seria indevida, visto que o PT é um partido de massas e os partidos de extrema-esquerda são partidos de quadros, com dimensões, capilaridade política e social e poder de intervenção bem diferentes.

Pelo menos em três momentos nos últimos 30 anos o fim do PT já foi proclamado. Na primeira metade da década de 1990 quando as tendências Convergência Socialista e Causa Operária fundaram o PSTU e PCO, respectivamente; entre o final dos anos 1990 e início da década de 2000, a partir do surgimento da Consulta Popular; e entre 2005 e 2006, quando do surgimento do PSOL. Em todos estes momentos foram repetidas palavras bem semelhantes ao que Feitosa disse em 2022 sobre o PT, que em síntese afirmavam que ele estava superado.

Feitosa faz parte de uma corrente interna chamada Militância Socialista (MS), surgida a partir dos militantes da Ação Popular Socialista (APS), que decidiram ficar no PT quando a APS decidiu migrar para o PSOL. A APS, por sua vez, vem da fusão de alguns agrupamentos regionais com a antiga Força Socialista (FS), que se estabeleceu como tendência interna em 1989. A FS surgiu a partir Movimento Comunista Revolucionário (MCR). O MCR se estabelece em 1985 como a fusão de militantes que faziam parte de grupos que existiam antes do PT e que se encontravam no interior do partido: Organização Comunista Democrática Proletária (OCDP), Ala Vermelha do PCdoB (PCdoB-AV), Ação Popular (AP), em seguida Ação Popular Marxista Leninista (APML) e Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP).

Entretanto, todas estas organizações não teriam a mesma força se não estivessem junto ao conjunto da classe trabalhadora. E, neste sentido, não é possível entender o PT sem apreender o movimento de quem o criou, a organização popular. O PT é uma experiência sui generis, não foi criado a partir de uma organização apenas. Na verdade, surge de baixo para cima, fruto de um processo histórico de ascensão das lutas populares desde o final da década de 1970, com confluência de diversos setores, com destaque para o novo sindicalismo, movimentos sociais, comunidades eclesiais de base e diversas organizações que lutavam contra a ditadura.

Estas organizações eram compostas por pessoas que arriscavam a própria vida para lutar contra a ditadura e é por isso que quem acompanha a política local apenas por aqueles programas de rádio FM, não consegue entender o dilema de Feitosa e de milhares de outras pessoas com os rumos da esquerda brasileira. Em um país de tradição escravocrata, o atrevimento da organização popular que gera movimentos sociais, central sindical e partido político jamais será perdoado.

Além disso, estamos em um momento histórico no qual a classe social mais radical é a classe dominante. Desde os anos 1990, a classe trabalhadora vem enfrentando refluxos e adotando posições defensivas. Os últimos sete anos, especialmente, são de derrotadas marcantes, com perdas econômicas e de direitos adquiridos.

Feitosa chamou atenção para a ausência das ideias socialistas, porque no interior do PT e da esquerda, tornaram-se majoritárias ideias que têm por teto o liberalismo político burguês. Neste contexto, no qual a disputa de eleições é o auge da luta política, qualquer guinada à esquerda que ocorrer no país, será o PT a primeira alternativa da classe trabalhadora porque é o seu partido de maior referência. A classe trabalhadora conhece e identifica o PT. Não conhece e nem identifica nenhum dos grupos de estudos que criticam o PT. É por isso que, diferente do que diz a extrema-esquerda, o problema não é apenas de direção. O problema está na força política exercida pela classe trabalhadora.

Então, como fazer política é algo mais complexo do que fazer currículo lattes, disputar os rumos do PT é disputar os rumos da luta de classes no Brasil. Ao mesmo tempo, o PT só continuará a ser o partido da classe trabalhadora na medida em que conseguir recuperar as suas posições combativas e parar de funcionar apenas em anos pares, quando há eleições.

E aqui temos um segundo argumento para a permanência de Feitosa. Nada impede a esquerda petista fazer dentro do PT o que poderia fazer fora do PT. E isso implica dizer que a esquerda petista também precisa fazer um balanço e identificar até que ponto tem conseguido se diferenciar das posições que combate no interior do partido e fazer o que se propõe como tarefa primordial: disputar os seus rumos. Por outro lado, onde estão e o que fazem hoje muitos e muitas que saíram do PT, dizendo que o partido já estava superado? Alguns foram, legitimamente, para casa. Outros foram para posições mais à direita. Como disse Bertolt Brecht, aqueles e aquelas que conseguem lutar a vida inteira, como o próprio Feitosa, são imprescindíveis.

Como não há respostas simples para problemas complexos, cumpre reconhecer que as ideias e práticas que são maioria no interior do PT também são no interior da classe trabalhadora. Além disso, é mais difícil ter organização social, quando grande parte de nosso povo precisa lutar contra a fome e o desemprego. O PT poderá ser superado se, em nova ascensão de lutas sociais, estiver caracterizado como um partido de reprodução e manutenção da ordem. Nas recentes manifestações de trabalhadores de aplicativos, em São Paulo, já era visível a ausência não apenas do PT, mas de organizações partidárias fortalecendo a luta de trabalhadores precarizados, por melhores condições de trabalho.

Mas, se o PT for instrumento da classe trabalhadora na luta por seus interesses continuará a ser uma alternativa política fundamental no Brasil. De todo modo, qualquer mudança à esquerda no PT virá de baixo para cima e de fora para dentro. A atual burocracia partidária é refratária a qualquer modificação que altere, minimamente que seja, o funcionamento do partido.

Feitosa comprova que a vida de militante da esquerda do PT não é fácil. Tem que enfrentar a extrema-direita; tem que enfrentar a direita; tem que enfrentar as posições moderadas dentro do partido; tem que enfrentar também algumas posições que nem sabemos se são de esquerda e que, por diversos motivos, estão dentro do PT; e ainda tem que dar conta da convivência com setores que estão à esquerda do PT, hoje com mais dificuldades ou menos disposição de apontar o dedo para as contradições alheias, mas aliados importantes. A unidade de toda esquerda, a partir de um programa, nunca foi tão necessária para este novo e longo período que acabou de começar.

Se na esquerda o PT está longe de ser uma unanimidade, na direita esta dúvida não existe. A burguesia brasileira sabe exatamente quem precisa ser derrotado ou, no limite, domesticado. É exatamente por isso que o antipetismo é a força mobilizadora responsável pela unidade da direita e de tudo o que há de mais retrógrado, obscurantista e autoritário. E não se pode enfrentar o antipetismo escondendo o petismo. Na vida real, é o petismo que a direita busca derrotar. Ser de esquerda é buscar o melhor posicionamento para enfrentar a direita. É por isso Feitosa decidiu ficar no PT.