Recado das urnas: voltamos ao nosso estado “normal”
O resultado das eleições, quase sempre, traz uma série de surpresas. Não foi diferente neste 15 de novembro. A disputa, contudo, reforçou uma velha máxima: na divisão, as perdas são inevitáveis.
Divididos, candidatos bolsonaristas sofreram revés nas urnas em muitos municípios brasileiros. Arautos da antipolitica, apadrinhados por Jair Bolsonaro, foram, em boa medida, rechaçados nas urnas. Há aí um componente que vai além da divisão e que repousa no enfraquecimento do discurso antissistêmico que marcou as eleições presidências de 2018. Dessa vez, não colou. Não como antes. Mas havia já uma sinalização do deslocamento das forças e do povoamento do centro. É que o tensionamento constante desgasta. A histeria de outsiders saiu do modo on. Cansou. O que surpreendeu foi o trajeto desse deslocamento que, de tão curto, parou na direita.
Dividida, a esquerda também saiu combalida. Sem capacidade de reação, desidratou. Perdeu 114 das 337 prefeituras conquistadas em 2016. Impacto negativo de 33,83%. O PT, elegeu 189 prefeitos. Queda de 25,59%. O PCdoB, mirrou 44,4%. Saiu de 81 para 45 prefeituras este ano. O PSOL foi exceção. Conquistou 4 prefeituras contra 2 nas eleições de 16. Também foi o único que conseguiu aumentar o número de vereadores: 75 eleitos. Crescimento de 33,93%.
A centro-esquerda perdeu cerca de 1/3 dos eleitores. No PDT, queda de 16,96%. No PSB, menos 37,69%. Esse percentual foi ainda mais expressivo na REDE: 61,11% de deságio. E aí quem ganhou mesmo foi a centro-direita: progressista nos costumes, mas ideologicamente alinhada ao mercado, e, diga-se de passagem, da base governista no Congresso. Ou seja, o bolsonarismo permanece apesar do Jair.
Os números trazidos aqui são a evidência do desejo do eleitor, mas não podem ser lidos isoladamente porque esse comportamento, ou essa resposta, é também efeito de um processo de criminalização das esquerdas. É cria do lavajatismo que alimentou a antipolítica. É também um retorno às condições “normais” do país. Historicamente, a direita sempre esteve no poder. Sempre foi hegemônica. A ascensão da esquerda seria uma espécie de “tropeço” e, depois disso, a vitória do bolsonarismo, um efeito adverso das investidas contra essa esquerda.
O primeiro turno das eleições 2020 nos trouxe ao ponto do meio, mas não necessariamente ao equilíbrio. O que temos é uma reacomodação das forças que combinam política conservadora com elementos liberais na economia.
A Paraíba retrata fielmente essa mudança. O Cidadania foi o partido que mais fez prefeituras neste domingo: 42. Em seguida aparecem PSDB (27), DEM (25), PL (22), PP (21), Republicanos (17), PDT (15), PSD (12), MDB (10), PTB (6), Avante (6), Podemos (5), PSB (5), Solidariedade (3), PROS (3), PSC (2), PT (1). O que temos aí é um avanço dos partidos do centrão, o que se explica pela intensa migração para essas agremiações com a janela partidária. Elas cresceram em musculatura.
Na contramão, aparece o PSB e esse recorte precisa ser feito. O Partido Socialista Brasileiro encolheu. Em 2016 tinha 52 prefeituras. De uma lista de 17 legendas que passam a gerir Municípios no Estado, o PSB ficou na décima terceira. Reflexo do racha no partido. O cidadania ficou com o espólio político e eleitoral. Mas essa configuração é ainda produto das denúncias e investigações envolvendo a legenda socialista e seus representantes. Além da Operação Calvário, decisão do TSE a cinco dias da eleição tratando da inelegibilidade de Ricardo Coutinho terminou por aprofundar o inferno astral do PSB na Paraíba, especialmente em João Pessoa e no Conde, onde a prefeita Marcia Lucena não conseguiu ser reeleita.
Outro recorte, este já do parlamento eleito na capital paraibana, reforça o avanço de partidos de direita na casa. Das 15 legendas, 14 fazem parte ou estão alinhadas ao centrão. As cadeiras ficaram distribuídas da seguinte forma: Avante (3), Cidadania (3), Patriota (3), PP (3), PV (3), MDB (2), PMB (2), PDT (1), PL (1), PROS (1), PRTB (1), PSL (1), PT (1) e Republicanos (1).
Outro ponto a ser considerado e que reforça essa tendência ora desenhada: apenas 1 mulher estará na CMJP a partir de 2021 apesar de a maioria (52,8%) do eleitorado pessoense ser do sexo feminino. Eliza Virgínia (PP) foi reeleita pelos evangélicos neopentencostais. Não tem qualquer proximidade com pautas de gênero, sobre diversidade e inclusão. Esse cenário é bem preocupante, ainda mais quando se leva em conta que nenhum dos candidatos à prefeitura que disputa o segundo turno em João Pessoa assinou “Carta-compromisso pela igualdade de gênero e autonomia financeira das mulheres” lançada pela Be.Labs Aceleradora e que tem como proposta promover a participação de mulheres na economia, na política e fomentar a igualdade de gênero.
Do ponto de vista formal, no apanhado geral, a derrota de candidatos de extrema-direita representa um avanço no campo democrático. Na prática, o cenário está longe do ideal. Em se tratando de Paraíba e de João Pessoa, especificamente, há um desequilíbrio perceptível na distribuição dos espaços de poder e, sem equilíbrio, as discussões tendem a volitar em uma esfera que passa longe das pautas identitárias e que respondam às necessidades dos mais diferentes estratos sociais. O eleitor está mais conservador por essas bandas e, nitidamente, tem menos consciência de classe.