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Supremo define hoje marco temporal das terras indígenas

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, adiou para hoje o julgamento da tese do marco temporal, que trata sobre a demarcação de terras indígenas. O assunto deveria ser analisado ontem, mas a Corte usou a sessão para debater sobre a independência do Banco Central, e o tema foi remanejado para a pauta da próxima sessão.

Defendido por ruralistas e setores políticos interessados na exploração de reservas indígenas, o marco temporal define que as etnias só tenham direito a reivindicar terras que ocupavam antes da Constituição de 1988. A tese foi usada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma), para solicitar a reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, no estado, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ, local em que também vivem os povos Guarani e Kaingang.

Está na pauta do STF analisar o recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), que questiona uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que acatou o “marco temporal” em Santa Catarina. A decisão terá repercussão geral e poderá afetar mais de 300 terras em processos de demarcação.

O julgamento estava marcado anteriormente para 11 de junho, no plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, o ministro Edson Fachin foi o único a dar voto e se colocou contra o marco temporal por considerar que muitas tribos foram expulsas de seus territórios e não têm como comprovar que estavam lá na época da promulgação da Constituição.

Enquanto, de um lado, entidades ligadas à bancada ruralista e ao presidente Jair Bolsonaro pressionam pela manutenção do marco, do outro há comoção internacional de entidades humanitárias e grupos indígenas. Do lado de fora do STF, aproximadamente 6 mil integrantes de 170 etnias acompanham o julgamento entre danças e protestos.

Em apoio à tese do marco temporal, na última sexta-feira, em entrevista ao Canal Rural, Bolsonaro afirmou que a derrubada da restrição “seria um caos para o Brasil e também uma grande perda para o mundo”. “Essas terras, que hoje são produtivas, poderiam deixar de ser produtivas. E outras reservas, pela combinação geográfica delas, poderiam inviabilizar outras áreas produtivas”, justificou.

Na terça-feira, os indígenas fizeram um ato simbólico em Brasília, veja:

Marco Temporal: o que é a tese da demarcação de terras indígenas em julgamento

Em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a regra do marco temporal para a demarcação de terras indígenas tem sido alvo de críticas e manifestações dos povos originários. A análise da Corte começou hoje, quarta-feira (25/06), mas foi adiada para amanhã, 26. Mais de seis mil indígenas marcam presença na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, desde o dia 22 de agosto, em defesa de suas terras já demarcadas e das 303 áreas ainda em processo de demarcação no Brasil.

Tese do marco temporal: o que é?

Trata-se de uma linha de corte. Pelo entendimento do marco temporal, defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que a população estava sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia não teria direito a pedir sua demarcação.

Tese do marco temporal: como surgiu?

Esse conceito foi desencadeado após uma decisão do STF em 2009. À época, a Corte julgava a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposo Serra do Sol. Os ministros decidiram em favor do povo indígena, argumentando que eles estavam lá no dia da promulgação da Constituição.

Desde então, o argumento do STF abriu margem para argumentações também contrárias aos direitos indígenas. Isto é, tem-se afirmado que esses povos não poderiam requisitar suas terras se não as estivessem ocupando em 1988.

“É uma ironia dos juristas, um deboche muito grande, essa teoria do marco temporal. Alguns povos não estavam em suas terras em 1988 porque a forma histórica de colonização do Brasil deixou muitas marcas, com indígenas sendo expulsos de seus territórios”, denunciou à agência DW o pedagogo Alberto Terena, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Tese do marco temporal: como pode afetar os indígenas?

Também em entrevista à DW, a antropóloga Luísa Molina argumentou que a possível aprovação do marco temporal colocaria em risco “cultura e vida” dos povos indígenas, as quais “estão na terra, no modo de viver na terra”. A tese em julgamento no STF poderia “reduzir o acesso ao direito originário da terra”.

“Uma terra indígena não é substituível por outra área, porque é um lugar sagrado, que tem história, onde se cultiva um modo de ser de cada povo. Ela é fundamental para a existência de um povo como coletivo diferenciado. É o que faz dele um povo. Se essa terra se perder, as condições da produção da diferença são atacadas e inviabilizadas”, afirmou a pesquisadora.

Terena concorda com a visão de Molina. “De certa forma e incorrendo no exagero, é possível inferir a tentativa de aniquilação desses povos, pois a nova lei permite o avanço sobre terras demarcadas com a instalação de postos militares, expansão de malha viária e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico, por exemplo”, acrescentou ele.

Tese do marco temporal: há risco de disputas?

Caso seja aprovado, o marco temporal resultará em insegurança nos territórios indígenas já ocupados, segundo Terena. “O nosso direito originário sobre a terra é constitucional. Negar isso vai trazer grande conflito, porque nosso povo nunca vai deixar de lutar pelo território”, relatou à DW.

“Nossa terra é nossa mãe. Ela vai além do espaço geográfico. Ali está nossa história, nosso modo de vida, nosso sonho para as novas gerações. Ela significa a manutenção de tradições. A sociedade, conforme vem pregando esse governo, está tentando tirar nossa organização social”, complementou.

Para o sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a possível aprovação significa que os povos indígenas podem sofrer “ameaças ainda maiores do que as que enfrentam nestes dias de fiscalização precária e incentivo à invasão de suas terras”. Ele destacou, à DW, a “indisposição” da atual Presidência com o tema como um dos motivos para isso.

Tese do marco temporal: a defesa dos ruralistas

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR), afirma que não é contra novas demarcações, mas defende a adoção do marco temporal e a produção agrícola em terras indígenas: “Nós queremos garantir segurança jurídica aos produtores e permitir que quem pagou pela terra, com anuência do próprio governo, tenha o reconhecimento de seu direito de propriedade e, em caso de demarcação da área, possa ser ressarcido”.

Os ruralistas afirmam que, desde 1999, o Supremo Tribunal Federal tem “posicionamento estável e coerente sobre o marco temporal”, em decorrência do julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, que adotou o marco. Ocorre que, como já foi esclarecido, esse entendimento referiu-se exclusivamente àquela decisão, não podendo ser generalizada.

“Caso não haja, em pleno século XXI, uma data limite de demarcações, qualquer área do território nacional poderá ser questionada sem nenhum tipo de indenização, inclusive áreas de grandes metrópoles, como Copacabana, no Rio de Janeiro”, afirmou a FPA em nota. “O Supremo Tribunal Federal tem a oportunidade de garantir a segurança jurídica, com a resolução dos conflitos, ao equilibrar o direto de todos os cidadãos brasileiros, evitando excessos no processo de “autodemarcação”, que leva a tensão no campo.”

A decisão do STF, que terá “repercussão geral” em todos os casos de demarcação, diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang. A decisão deverá servir como diretriz para todo tipo de processo que esbarre no mesmo tipo de alegação.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, lembra que os direitos dos povos indígenas abrangem as terras tradicionalmente ocupadas por eles, conforme fica consta na Constituição. “Esses direitos dizem respeito aos usos e costumes de cada povo, não a uma data específica, mesmo que essa data seja aquela em que nossa Constituição foi promulgada. Num país em que o presidente promete que não haverá mais demarcações de terras indígenas, espera-se que o STF nos traga esperança, faça justiça e assegure os direitos dos povos originários”, afirma.

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Fonte: opovo.com.br e correiobraziliense.com.br