Opinião

A ameaça aos povos indígenas no país, e a disputa entre Tabajaras e Prefeitura do Conde (PB)

Há menos de uma semana, sete indígenas yanomami foram mortos em Roraima depois de um ataque de garimpeiros. Entre as vítimas, quatro crianças. O Estado brasileiro não implementou qualquer política de segurança para proteger o território apesar da ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

A violência nem sempre é tão explícita. No Ceará, também em novembro, após uma denúncia de extração ilegal de argila, areia e madeira em reserva indígena, descobriu-se que a Fundação Nacional do Índio (Funai), uma autarquia federal que deveria proteger os direitos dos povos indígenas, agiu contra os tapebas e lhes tirou cerca cem hectares de terra.

Apesar de a Constituição Federal de 88 reconhecer os direitos originários do índios às suas terras no art. 231, há em curso um retrocesso inédito no país que passa pelo estímulo ao garimpo e à grilagem, perdão a quem desmata ilegalmente, expropriação e fim das demarcações de territórios. 

O Marco temporal é grave ameaça e tem sido defendido por ruralistas. A ação, cuja análise está suspensa temporariamente no STF, defende que a população indígena só possa reivindicar terras onde vive desde 88. Se aprovado, será a legalização de todo o tipo de crime cometido contra esses povos. Em miúdos: a vitória da impunidade e a premiação do genocídio indígena pelo Estado.

Em agosto, houve protesto em Brasília contra o Marco temporal. Cerca de seis mil indígenas de 170 povos de todo o país foram à Esplanada dos Ministérios contra medidas que dificultam a demarcação de terras e incentivam atividades de garimpo. Um mês antes estiveram reunidos na capital federal.

Situação indígena na Paraíba

Na Paraíba, boa parte das terras Potiguara e Tabajara “está nas mãos de usineiros, granjeiros, hoteleiros e áreas de assentamentos agrários”  . Os Potiguaras são maioria, cerca de 20 mil pessoas, e ocupam uma área de 33.757 hectares no litoral norte. Os Tabajaras estão em menor número: 750 famílias vivem em lotes da reforma agrária no litoral sul.

E são os Tabajaras que encontram-se agora no meio de um conflito. Na última semana, a prefeitura do Conde encaminhou à Câmara de vereadores um projeto que altera a leia de zoneamento do Município. A ideia, segundo o texto, é “modernizar a legislação municipal, garantindo que sejam implementados novos empreendimentos, gerando emprego e renda”.

Na prática, a prefeitura quer flexibilizar a lei de ocupação do uso do solo para atrair o setor imobiliário e novos empreendimentos. O problema é que as terras de interesse têm sido reivindicadas pelos tabajaras. Segundo eles são áreas de proteção e precisam ser demarcadas para proteger as populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.

Cacique Ednaldo em entrevista à TV Cabo Branco

Na última sexta-feira (12), uma audiência pública foi iniciada na Câmara de Vereadores do Conde mas não terminou. Isso porque os tabajaras que protestavam na frente do prédio teriam sido impedidos de participar. Ao Blogo, o cacique Ednaldo, da Aldeia Vitória disse que “a nova gestão quer modificar a lei de zoneamento, mas sem discutir com as populações. Fomos à audiência publica, quando chegou lá a Câmara Municipal estava fechada, me chamaram para entrar. Falei que estávamos esperando outros caciques chegarem para pedir um mínimo de três vagas para participar da audiência . Eles negaram. Os guardas municipais usaram de violência para impedir a nossa entrada. A gente reagiu. Foi uma tristeza porque machucaram crianças, mulheres”, disse.

Veja o vídeo:

 

Por causa da confusão, a audiência foi suspensa pelo presidente da Casa, vereador Luzimar Nunes de Oliveira, que anunciou nova audiência pública para o dia 24, de forma remota, em entrevista à TV Cabo Branco. Procurado pelo Blog, ele não se pronunciou sobre a ação da guarda municipal, nem disse porque os tabajaras foram impedidos de participar do debate.

O vice-prefeito da cidade, Dedé Sales, afirmou que a população do Conde foi avisada com antecedência sobre a audiência e que “é preciso corrigir algumas anormalidades da lei de zoneamento”. Disse ainda que o Executivo “não estava infringindo a leis estadual e federal”. Ele também não explicou porque os indígenas foram barrados.

A lei do qual o vice-prefeito fala foi aprovada em 2018 e dispõe sobre a expansão urbana e o crescimento sustentável de acordo com o Estatuto da Cidade. Foi uma construção coletiva, com a participação de Conselhos e especialistas, que não pode ser vilipendiada  só para beneficiar o setor econômico em detrimento de questões ambientais e sociais.

A preocupação da Prefeitura com o desenvolvimento local é legítima, mas a gestão não pode fechar os olhos para as demandas da população e os impactos de qualquer intervenção na vida das pessoas, na fauna, na flora, na saúde dos rios etc. O que vereadores e Prefeitura parecem ignorar é algo básico: o projeto carece de ampla discussão com os moradores do Conde.
É preciso garantir que grupos em situação de vulnerabilidade sejam incluídos e ouvidos, uma vez que serão diretamente afetados pelas decisões tomadas por quem está no poder. Gestões inteligentes procuram o equilíbrio, incentivam a participação, a economia verde e o bem-estar de sua gente. O contrário disso é retrocesso.

E gestões passam, mas sempre deixam um legado que pode ser de avanços ou retrocessos. Qual será o legado da Prefeitura e Vereadores do Conde?