Ataques terroristas em Brasília: não basta punir os culpados, é preciso blindar a democracia
Ataque orquestrado contra a democracia de um lado, conivência/omissão do outro e um pandemônio como resultado. Os atos terroristas registrados neste domingo (8) em Brasília por bolsonaristas radicais que destruíram Planalto, Congresso, STF são a prova inconteste de que eleições livres e o exercício do voto não resumem uma democracia nem garantem sua saúde. São apenas seu verniz formal.
Os ataques deste 8 de janeiro foram a concretização de ameaças anunciadas aos quatro ventos e mostraram o avanço do processo de fascitização do país conforme aponta Alysson Mascaro (2022), além de uma capacidade de mobilização e coesão que o Estado brasileiro foi incapaz de demonstrar quando deixou de agir para impedir os extremistas e sua sanha “incivilizatória’ mesmo sob alerta da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O que se viu em Brasília não foi um ato patriota, mas um atentado contra a ordem pública e democrática. Não foi um ato pró-família visto que não foi pacífico. Merece e deve ser enquadrado como terrorismo, conforme estabelece o Artigo 5º, da Constituição Federal em seu inciso XLIV: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Está na letra da lei. É aplicar.
Há algo de muito grave nos atentados terroristas: base social de apoio ao golpe – tal qual em 1964. Tudo anunciado, com rastros cristalinos. Mais de mil pessoas foram detidas, 300 delas em flagrante. Em depoimento, os bolsonaristas autuados revelaram terem sido pagos “por gente do agro”. A pista reforça a necessidade de seguir o caminho do dinheiro para identificar e punir com rigor os financiadores dessas ações criminosas, bem como os políticos que deram suporte a elas e os militares que agiram como cúmplices, escoltando os arruaceiros ou fazendo vista grossa ao crime, portanto, prevaricando. Em miúdo: todos os núcleos de sustentação das células terroristas que surgiram ou se fortalecem com a ascensão do bolsonarismo.
Algumas medidas para além da prisão já foram tomadas: Ibaneis Rocha(MDB), governador do Distrito Federal foi afastado do cargo pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, por suposta leniência com as ações terroristas. Traduzindo: mesmo tendo a legitimidade para o uso da força como representante do Estado, não o fez. Ainda: um interventor foi nomeado via decreto pelo presidente Lula para atuar na segurança do DF e o Senado se prepara para aprovar a intervenção, provalvemente nesta terça-feira (10) de acordo com o paraibano Veneziano Vital do Rêgo, presidente em exercício da Casa.
Paralelamente, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) pediu, por meio de uma petição ao Inquérito dos atos antidemocráticos (4.879), que Jair Bolsonaro seja incluído nas investigações e extraditado para o Brasil por encorajar atos golpistas desde o início do seu mandato presidencial. O ex-presidente pode ter que voltar dos Estados Unidos em 72 horas sob risco de se tornar um foragido da justiça brasileira.
Cabe refletir que toda essa violência política, a contaminação das forças policiais pelo bolsonarismo e o desgaste do tecido democrático, em grande medida, são fruto da diluição do papel construtivo da política, de sua criminalização e da corrosão democrática. Logo, não basta prender os terroristas para atacar problema tão complexo. É importante fazê-lo, mas não basta. O retorno dos fardados aos quarteis é urgente. “Quem porta arma não pode apitar na política”. É o que diz o professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFPB, Augusto Teixeira Jr.
E para que não restem brechas que permitam aos golpistas ataques como os de agora, é preciso, como afirma Boaventura de Sousa Santos, “democratizar a democracia”, torná-la plural, inclusiva, participativa, cidadã. Democracia se fortalece com mais democracia, não com ditadura. Democracia se fortalece quando a política é valorizada. Isso pede combate às fake news, instituições mais responsivas, e de um Estado forte – não se confunda com Estado inchado –, capaz de garantir universalidade e promoção dos direitos.
Contra a recessão democrática não tem outra: é vigilância constante. Se a sabedoria é mãe de todas as virtudes, a prevenção deve ser seu guia.