O São João de Campina: de grande ficou pequeno; por mais Flávios Josés e menos Gustavos Limas
O Maior São João do Mundo chegou aos 40! Um quarentão robusto, com mais de 200 atrações em 30 dias de festa segundo a organização. Mas um quarentão empalidecido porque mais pobre culturalmente.
Tem forró, o tradicional e o de plástico… E tem brega, funk, axé, música gospel, e uma invasão de sertanejo e suas variações… um cardápio que agrada uns, mas um tanto indigesto para quem espera o ano inteiro para festejar a música e a cultura nordestina.
O evento está para os artistas locais como a copa do mundo para seleção. Tempo de puxar o fole, soltar a voz, fazer dinheiro! Pelo menos deveria ser, mas a verdade é que muitos, quando contratados, recebem cachês que passam longe dos milhares de reais pagos aos artistas forasteiros. A desvalorização começa daí.
A verdade é que os festejos juninos, de uma forma geral, viraram produto meramente comercial, um festival de música sem o necessário compromisso com a identidade regional. Mas trazem dinheiro, aquecem a economia, geram emprego, renda, lotam os hotéis! A expectativa dos organizadores da festa no Parque do Povo, inclusive, é que movimente 200 milhões de reais. Os milhões pagos aos astros de fora, no entanto, não ficam na cidade.
O evento é gerido por uma empresa privada, a cearense Arte Produções, contratada pela prefeitura da cidade por meio de licitação pra 2023 e 2024. Esse modelo, introduzido na gestão de Romero Rodrigues, em 2017, tem sido alvo de críticas pelo setor cultural em função do desprestígio aos artistas nordestinos e da descaracterização do evento, que já em seu primeiro fim de semana recebeu uma paulada de um dos nomes mais importantes da música nordestina.
Flávio José foi convidado a deixar o palco mais cedo para dar lugar ao sertanejo Gustavo Lima, com outro show marcado para o mesmo dia. Disse: “se ficar alguma música do repertório que estão pensando em ouvir e não vão ouvir, a culpa não é minha. Não tenho nenhum show para sair daqui correndo Não foi uma ideia minha. Infelizmente são essas coisas que o artista da música nordestina sofre”.
O desabafo de Flávio José é o retrato da desvalorização e do abandono da tradição e da cultura nordestina. Os quarenta anos do maior são João do mundo bem que podiam ser de reconciliação com sua história, uma oportunidade de resgatar MarinÊs, Biliu, Genival e outros grandes nomes da música; de dar espaço aos novos talentos locais, e de mostrar que o forró, o coco, o xote, o baião e o xaxado são grandes o suficiente para ocupar o palco principal.
Até porque, vamos e convenhamos, cultura também vende! E vende bem! Ainda mais quando sua celebração envolve um ano inteiro de expectativa e de preparação. Pernambuco está aí para provar isso! Lucra com seu bairrismo, se orgulha de sua identidade e atrai milhões em investimentos e pessoas todos os anos, provando que a explosão de um evento não precisa ser sinônimo de exclusão de sua gente. Alceu, Lenine, Reginaldo (presente), Otto, Lia e tantos outros que o digam!
Flávio José reacendeu um debate necessário sobre inclusão e pertencimento, sobre mercado e tradição. A grandeza do São João de Campina não está no Parque, mas no povo, na sua gente, na história de um Nordeste rico em arte e cultura. A festa precisa resgatar isso! Que haja diversidade sem prejuízo da identidade. Que tenhamos mais Flávios Josés e menos Gustavos Limas cantando esse Nordeste.