Opinião

Vereador fala sobre aborto e diz que mulheres “não conseguem controlar seus impulsos sexuais”

O vereador Tarcísio Jardim (PP) foi à tribuna da Câmara Municipal para falar sobre aborto e adotou como estratégia o ataque às mulheres. Segundo ele, mulheres abortam porque não “controlam seus impulsos sexuais e querem terceirizar a sua culpa e a consequência das suas ações”.

Veja o vídeo:

O parlamentar revelou um extremo despreparo para tratar do tema, adotando uma narrativa baseada em achismo e sem qualquer suporte em fatos. Mais: ele culpou  mulheres por uma gestações que jamais aconteceriam sem a partipação dos homens que, muitas vezes, as abondonam. Eis o retrato do machismo estrutural e da cultura misógina.

Ah, e ele não está só. O Parlamento Municipal debateu o tema em sessão especial na tarde desta quarta-feira (27) proposta pelo vereador Carlão (PL), cujo tema foi: “Não ao aborto (ADPF 442) e defesa ao dia do nascituro”. Para Carlão, a ADPF 442, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e pede a descriminalização da interrupção de gravidez de até 12 semanas, é uma tentativa de “assassinato intrauterino”.

Como a boa informação nunca é demais, vamos a ela!

Primeiro importa dizer que aborto no Brasil é crime previsto no Código Penal Brasileiro com punição de detenção de um a três anos para a mulher que o provoca em si mesma ou dê permissão para que outra pessoa o faça.  Abortos são autorizados apenas nos casos específicos: quando a gestação põe em risco a saúde da mulher, em caso de estupro ou de feto anecéfalo.

Segundo, a descriminalização não é a legalização do aborto, mas, tão somente, uma medida de proteção à mulher em situação de vulnerabilidade, com suporte, inclusive, de uma equipe multidisciplinar que pode atuar para evitá-lo por meio do acolhimento.

Terceiro ponto: o aborto é mais comum do que se imagina. De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2021, uma em cada cinco mulheres já o fizeram e 52% delas com menos dos 19 anos. Uma em cada sete fizeram um aborto até os 40 anos de vida.

Quarto: a pesquisa traçou um perfil dessas mulheres. Em sua maioriea são negras, periféricas, de baixa renda, adolescentes e em relacionamentos abusivos. Não é por acaso.

Quinto: a clandestinidade tem impacto no sistema público de saúde pelas complicações que podem surgir depois de procedimentos inseguros, o que contribui para a mortalidade materna. Dados do Ministério da Saúde dão conta de que cerca de 195 mil internações no Sistema Único de Saúde (SUS) foram realizadas em 2019 por complicações decorrentes do aborto inseguro.

O problema existe e é caso de saúde pública, é uma questão social e até racial, mas não de polícia. Polícia para quem precisa de polícia. Ignorar essa realidade trágica e submetê-la a uma discussão rasa e/ou religiosa não muda o fato de que todos os dias há mulheres em situação de aborto. Negligenciar o Brasil real não promove a mudança necessária. É preciso fazê-lo à luz das evidências para garantir políticas públicas eficazes e que atuem na prevenção.

Para refletir

Em 2007 Portugal descriminalizou o aborto. Desde então, há redução ano após ano no número de casos. Quando recebem o acolhimento por meio de uma rede de proteção necessária, muitas mulheres desistem de interromper a gestação. O Uruguai, por sua vez, adotou um política de saúde baseada na redução de riscos e desde 2004 a morte de mulheres por abortos clandestinos só cai. Então estamos falando de uma discussão necessária e urgente, que não pode nem deve ser reduzida a uma discussão moral “sob a ótica do patriarcado que ao longo dos séculos subalternizou e aprofundou abismos sociais e de gênero, bem como abismos políticos e econômicos”, diz a filósofa e Doutora em Ciência das Religiões, Regina Negreiros. E ela completa: “a moral pode ser individual, ou seja, pode ser a moral sob a ótica do indivíduos”, o que, definitivamente, apequena o debate.