A Ideia de Religião no Iluminismo – parte I

Na maioria das vezes, para compreendermos o hoje, é necessário voltar ao passado. Por isso, gostaria de trazer para a discussão a questão do iluminismo, que no ocidente buscou “iluminar” o pensamento à luz da ciência. Mas antes de abordar o texto a partir da perspectiva de Ernst Cassirer, filósofo alemão de origem judaica que viveu entre os séculos XIX e XX, não esqueçamos jamais que toda luz projeta uma sombra, e não foi diferente com esse movimento que, inegavelmente trouxe contribuições, e na qualidade de pesquisadora não poderia negar tal fato! Mas a sombra do iluminismo também assombrou porque junto com ela veio o racismo epistemológico e a subalternização de populações durante o período neocolonial, principalmente nos países do continente africano, mas esse, certamente, será um tema abordado em um próximo texto, por enquanto, nos detenhamos no iluminismo, na sua ideia de religião, porque é a partir dela que poderemos conhecer o outro lado da história: a história não contada pelo eurocentrismo.

A crença comum dos pensadores do período iluminista era de atingir a luz, a iluminação através da razão e do empirismo, deixando para trás as revelações propagadas pelas autoridades religiosas. Havia diferentes percepções filosófico-políticas, vozes dissonantes que buscavam a luz da sabedoria ao invés da fé cega, o que “glorificou na razão e na ciência ‘a suprema faculdade do homem’” (CASSIRER, 1992, p. 14) em busca de um mundo melhor onde a filosofia transborde e rompa as barreiras da ignorância. De tal forma, o “século XVIII está impregnado de fé na unidade e na mutabilidade da razão” (CASSIRER, 1992, p. 23), renunciando ao método dedutivo cartesiano que caracterizou o período anterior para se orientar numa perspectiva newtoniana da lógica dos fatos, correspondendo, em suma, ao pensamento do espírito analítico que é, sobretudo, um fenômeno francês.

O período cartesiano que transformou a filosofia no século XVII e foi de suma importância para o iluminismo, sendo imperativo para o movimento dialético do próprio iluminismo, e é nesse movimento que o iluminismo reverbera suas teses plurais e muitas vezes dissonantes, como é o caso dos textos de Leibniz e Espinoza.

Na perspectiva dos fatos que permeiam o período das luzes “a atitude crítica e céptica em face da religião” (CASSIRER, 1992, p. 189) é o que o caracteriza, assim sendo, enciclopedismo francês declara guerra à religião e sua pretensa verdade que apenas desvia o homem do desenvolvimento intelectual,sem jamais conseguir balizar a moral nem tão pouco formatar  uma ordem política e socialmente justa. Pelas características da própria religiosidade, a fé cega, em verdade, apenas subjuga o homem à servidão sem questionamentos, por isso, é “preciso escolher entre a liberdade e os grilhões, entre a lucidez da consciência e a obscuridade das paixões, entre a ciência e a crença” (CASSIRER, 1992, p. 191).

Apesar das críticas dos pensadores daquele período à religião e aos dogmas da fé, seria um equívoco avaliar o Século das Luzes como irreligioso ou hostil a toda crença, pois, em verdade, o  século XVIII deposita seu maior esforço intelectual num novo ideal de fé, não na sua rejeição, de forma que haja a renovação da religião, tendo em vista que  o “sentimento que em toda parte domina é um sentimento profundamente criador, uma confiança absoluta na edificação e renovação do mundo. É essa renovação que se espera e exige agora da própria religião” (CASSIRER, 1992, p. 192).

 

REFERÊNCIA:

CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo; trad.: Álvaro Cabral – 3ª ed – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997,  p. 189-245