A violência na política e o cenário contemporâneo brasileiro nas redes

No Brasil atual caminhamos para a naturalização das aberrações. Naturalizaram-se coisas e comportamentos absurdos à civilidade e à vida coletiva. Agressões verbais, psicológicas, espirituais, além das agressões físicas. Um exemplo foram as mortes por covid19 na época da pandemia, que poderiam ser evitadas se se tratasse com dignidade e humanidade as pessoas, ao invés de se negar a ciência e considerar a COVID19 só uma gripezinha. Naturalizaram-se as agressões à aqueles e aquelas pessoas que pensam diferentes ou que têm religiões diferentes, naturalizaram-se a violência no campo social e no campo político, aliás, a naturalização da violência política age como pólvora para a legitimação da violência social e cultural.

Recentemente vimos em um debate político transmitido pela televisão, uma “cadeirada” de um candidato em outro, o que antecedeu a cadeirada foi outro show de horrores com agressões verbais, psicológicas emorais, lembrando que estas também são formas de violentar a outra pessoa. E se chegamos nesse ponto de naturalizar a violência em suas muitas formas, sem duvida, o campo político recente em muito contribuiu. E acredito que, infelizmente, esse é um ponto onde, talvez, não hajaretorno possível à civilidade na política, pois, quando se normaliza padrões agressivos, psicóticos, patológicos etc., se abre um precedente para que a exceção vire regra. E quando isso ocorre, não há como fugir do caos e da implosão ou corrosão democrática da sociedade.

A violência política pode ser definida como qualquer abuso físico, psicológico, econômico, simbólico e geralmente está relacionada a disputas de poder, ideologias extremistas e a polarização crescente em sociedades. Ela pode existir de forma velada ou pode se mostrar de forma evidente buscando atingir determinados objetivos políticos, óbvio! O que não é óbvio é a naturalização desses casos que acontecem na política e na sociedade. As consequências da violência na política podem  ser diversas, e todas são desastrosas para a democracia e a sociedade como um todo. Por exemplo, pode corroer a confiança nas instituições, o que já temos visto em relação principalmente ao Superior Tribunal Federal – STF e ao Tribunal Regional Eleitoral – TER; pode ainda levar a crises políticas e sociais, dificultando a governança, o que também já vimos ocorrer no país e que levou ao Golpe de 2016 contra a então presidenta Dilma Roussef e pode gerar ciclos de violência, que, uma vez instaurada, pode se perpetuar, criando um ciclo difícil de romper.

O que se pode ver nesse cenário todo é que as redes sociais potencializam as atitudes violentas, portanto, elas têm um papel significativo na amplificação da violência política, contribuindo para um ambiente em que a violência possa ser mais facilmente desencadeada e justificada, impactando a política e o tecido social já fragilizado. É através das redes sociais que notícias, rumores e teorias da conspiração têm se espalhado rapidamente, incitando reações violentas antes que os fatos sejam verificados. Além disso, elas tendem a criar bolhas de informação nas quais os usuários interagem principalmente com pessoas que compartilham suas opiniões, intensificando visões extremistas e alimentandoa hostilidade contra o “outro”. A desumanização também é uma consequência desastrosa desse universo, tendo em vista o aumento de comentários agressivos quedesumanizam os que pensam diferente e normalizaviolência, isso sem falar do anonimato de pessoas que usam de perfis “fakes para ameaçar e criar medo no ambiente virtual. Além de tudo isso, há ainda a mobilização de grupos extremistas que usam as redes sociais para recrutar membros e planejar ações violentas, aliás, isso também foi visto nos recentes ataques às escolas e na interação de grupos que criaram células nazistas no país.

Voltando ao tal caso da cadeirada, o que aconteceu depois? Um candidato (que sofreu a cadeirada) tentou capitalizar o fato para ganhar mais votos e até talvez tenha ganhado, seguindo o exemplo de outro candidato que em 2018 espetacularizou o caso de uma “facada” durante a campanha e gerou comoção entre um determinado grupo, o que o ajudou a se eleger. O outro candidato, que foi agredido com veemência de forma psicológica e moral, e que deu a tal cadeirada, virou “meme” nas redes sociais e, segundo alguns depoimentos de internet, lavou a lama de milhões de idosos que sofreram golpes financeiros do candidato atingido pela cadeira. Para quem não conhece ainda o termo, “memes são uma forma popular de comunicação nas redes sociais que combina humor, cultura e crítica social, podendo também ser usado de modo violento ao ridicularizar uma pessoa. Estes memesse espalham rapidamente, podendo se tornar virais e influenciar conversas em diferentes plataformas, inclusive influenciar as próprias eleições. Esse cenário político no Brasil que está estampado nas redes sociais, sejam através de “memes” ou de notícias muitas vezes lamentáveis, são gerados pelas aberrações que foram naturalizadas, em muito, pela extrema direita política no país. A ideia central é que uma “aberração” representa algo que se desvia de um padrão ou norma esperada. No caso dessas aberrações políticas, referem-se a comportamentos ou situações que fogem dos padrões esperados em um sistema político, muitas vezes desrespeitando normas democráticas ou éticas. Das eleições de 2018 em diante, as aberrações políticas foram naturalizadas e esse ciclo é um ponto de não retorno da civilidade, suas consequências são profundas e, como dito anteriormente, desastrosas.

Estamos nos aproximando das eleições para prefeitos e vereadores. O ambiente político, marcado por polarização e tensões entre diferentes grupos, pelas aberrações políticas e violência, se apresenta  de forma confusa para muitas pessoas, mas o momento deve ser analisado pelos eleitores na perspectiva dos desafios sociais e econômicos que se colocam. O voto deve ser consciente e talvez ainda dê tempo de mudarmos o rumo do ambiente politico e social ao votar pela civilidade, contra as aberrações e violências que se instalaram na política brasileira e no cenário democrático tão combalido. Essa mudança, caso ocorra, impactará positivamente as redes sociais e possibilitará restaurar o tecido social já tão esgarçado.