Novas articulações para o golpe dificultam recuperação
Como destacamos em nossas últimas análises, o processo de recuperação da economia continua em marcha embora dificultado pelo ambiente internacional adverso. Apesar disso, o Banco Mundial revisou de 1,3% para 1,7% sua projeção para o crescimento do PIB no Brasil, o “mercado” e o Boletim Focus do Banco Central estimam em 1,9%, este crescimento e o Ministério da Fazenda em 2,2%. Corremos, porém, o risco de estar diante de um “voo de galinha”, e a recuperação ser abortada. O ponto crítico continua a ser o setor produtor de “meios de produção”, o setor de máquinas e equipamentos, que nas nossas estatísticas, é medido pelos números da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e tem andado muito mal.
A preocupante situação internacional é destacada pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, que afirmou recentemente que “a atividade global está fraca em comparação com padrões históricos e as perspectivas de crescimento têm desacelerado desde a crise financeira global.” Os representantes dos Bancos Centrais do mundo, reunidos no simpósio de Jakson Hole, constataram também algumas mudanças preocupantes. Destacaram a permanência da inflação, que não foi controlada e que continua a exigir taxas de juros elevadas. Nos EUA, a inflação acima da meta, fez o Fed, além de preservar os juros altos, considerar a hipótese de um aumento. Isso foi suficiente para uma subida do dólar e uma desvalorização das moedas dos emergentes, inclusive o real. Corremos assim o risco de importar a inflação mundial, prejudicando a trajetória de redução da Selic e criando ainda mais problemas para os investimentos.
Outro assunto destacado pelos BCs foi a instabilidade nas condições de oferta, diante dos Lockdowns, das pandemias, da ruptura das cadeias de suprimento, dos conflitos de energia etc. Falou-se ainda no aumento dos déficits fiscais, que abalam os orçamentos dos estados, e nas mudanças da importância dos diferentes países como a China e Índia, no processo de globalização. Foram destacados os conflitos que contribuem para o aumento da instabilidade mundial.
Se não fossem suficientes estas dificuldades econômicas, o desafio de reconstrução do país é tumultuado pela ação irresponsável da horda bolsomínia instalada dentro do Congresso e, agora, estimulada pelas convocações para as manifestações de rua. Respondendo ao apelo de grupos de parlamentares, que tem feito incursões fora do país, denegrindo a nossa imagem, e conclamando ações de apoio, surgiu mais um reforço vindo do exterior, o que demonstra que uma articulação internacional da direita agora decidiu apoiar a desestabilização do Brasil. A manifestação veio do bilionário Elon Musk, que ameaçou não obedecer às decisões do STF para a retirada de contas nas plataformas de sua propriedade. O STF teve de tomar sérias medidas que o fizeram desdizer o que havia dito. No entanto, suas empresas continuam tentando ações contra o judiciário e incitando seus apoiadores através das redes sociais, e de parlamentares a seu serviço. Estas articulações acendem o alerta para a continuidade da conspiração para a realização do golpe, ou seja, o bolsonarismo ainda não se deu por vencido. Toda atenção torna-se necessária para que esta nova tentativa seja abortada.
Convém lembrar os antecedentes do golpe militar de 1964. A primeira consideração a fazer é que o golpe não foi militar, mas civil-militar. Houve uma intensa mobilização da sociedade civil. Lembro das ações levadas a efeito pela “Aliança para o progresso” que distribuía dinheiro às organizações populares na cidade e no campo, dos desfiles da TFP, “Tradição, Família e Propriedade pelas ruas, da “Cruzada da Família com Deus pela Liberdade”, e do Rosário em Família, onde o “padre Peyton” mobilizava as madames, para convidar as amigas, que se reuniam nas residências, a fim de rezar o terço. Todas estas ações recebiam o apoio das entidades empresariais, que as financiavam.
Infelizmente o anticomunismo primário mobilizou também a igreja católica e, nos sermões, religiosos clamavam os fiéis contra o comunismo do governo Jango. Isto ocorria enquanto preparavam-se os quarteis para a ação militar. Faltava o pretexto, que aconteceu com a “revolta dos marinheiros e fuzileiros”, dos sargentos e as invasões de terra pelos camponeses filiados principalmente às ligas camponesas. Os discursos inflamados, de dirigentes sindicais e líderes populares como Francisco Julião, completaram o quadro. Na dúvida, navios da força naval dos EUA deslocaram-se para a costa brasileira, fornecendo uma garantia extra. O golpe estava em marcha.
Quem o deflagaria? Escolheram uma “vaca fardada” (como se autodenominava o general Mourão), que executou a “gloriosa marcha” de Minas para o Rio. Depois foi a fuga de Jango para o Rio Grande do Sul, e a rápida declaração de vacância do cargo de presidente e indicação do novo presidente de acordo com a constituição, por um Congresso, desmoralizado e conivente. Estava tudo consumado, sem qualquer resistência minimamente significativa. A partir daí os golpistas mostraram sua cara: pancadarias, cassações de mandatos, prisões, torturas etc. seguidos dos arrependimentos e choradeiras.
O golpe não foi apenas militar. A sociedade civil tramou e participou ativamente e os militares ficaram com o trabalho sujo. E com isso terminaram arcando com as consequências, o que provocou a desmoralização das forças armadas por muitos anos.
Hoje as condições mudaram muito, a começar pela conjuntura internacional. No entanto o berreiro anticomunista antiquado continua a convencer grupos de débeis mentais, fanatizados pelas redes sociais. A igreja católica sofreu grandes modificações, tendo surgido em seu seio movimentos progressistas como a “teologia da libertação”. Lamentavelmente foi substituída por setores pentecostais, com forte inspiração nos EUA. Dentro das forças armadas, que lutam para recuperar seu prestígio, criou-se um sentimento legalista, embora ainda se mantenha um forte e primário ranço anticomunista. Mas estão escaldados. O governo Bolsonaro deixou-os com “as barbas de molho” por terem passado o vexame de se submeterem ao comando de um reles e incompetente capitão, expulso de suas fileiras, e de comportamento tão medíocre, capaz de fazer corar de vergonha o mais humilde soldado.
Apesar destas mudanças na conjuntura política, os apeados do poder não se conformaram. Lula parece ser grande demais para passar na garganta de uma classe empresarial atrasada e reacionária, de grupos políticos corruptos e de militares com formação ultrapassada, ainda baseada nos tempos da guerra fria. Com o apoio de seitas religiosas fanáticas que, graças à uma manipulação hábil das redes sociais, conseguiram penetrar nas camadas mais pobres da população, vem sendo criado o movimento que permanentemente ameaça a democracia e os resultados eleitorais.
A eleição de um congresso muito reacionário criou um forte obstáculo ao avanço das mudanças, que se fazem necessárias para o desenvolvimento do país. As forças reacionárias jogam no “quanto pior melhor”, e oferecem toda a resistência para desorganizar a economia e impedir as ações do governo. No congresso, falam em combater o déficit fiscal, mas aumentam as despesas quando lhes é conveniente (vejam-se as emendas parlamentares). Retardam o andamento de projetos urgentes de reformas e querem ocupar a pauta com agendas ideológicas e de costumes, e com a formação de CPIs inúteis. Em discursos provocativos, parlamentares bolsominions clamam pela ação dos militares. Tudo isto tem sido agravado, recentemente, pelas ações do presidente da Câmara Artur Lyra. Os ataques têm se intensificado pelos jornais, pelas redes sociais, pelas bancadas do boi, da bala e da bíblia e pelas hordas bolsomínias, e agora, por ações do exterior.
A conjuntura política está em mudança, com pesadas implicações na conjuntura econômica. É preciso cautela, alerta e chamamento para a luta que se avizinha. Novo golpe está em marcha. A frente que elegeu o presidente Lula está ameaçada de sofrer um racha, o que era previsível. O problema é saber como será.