O império perde os dentes
Temos analisado os movimentos da economia brasileira sempre à luz da teoria dos ciclos econômicos. Temos falado nas dificuldades que atualmente existem para tal análise, em virtude da ação de fatores não econômicos que têm alterado a ação das leis que regem a economia, como a guerra na Ucrânia e a pandemia do covid-19. Antes de começar a ação do vírus, o ciclo econômico estava entrando em sua fase de crise. A pandemia acelerou este movimento e levou a economia em direção ao fundo do poço. Seguiram-se, então, os fenômenos conhecidos de desorganização do comércio mundial, das cadeias de valor, dos transportes marítimos e terrestres com sérias consequências para a produção e fornecimento de matérias primas, componentes etc.
Mal começava o controle da pandemia e estoura a guerra na Ucrânia provocando a necessidade de nova reestruturação das redes mundiais e uma reorientação do processo de globalização. Atualmente, embora se tenha conseguido um certo controle da pandemia, a guerra continua provocando um grande esgotamento das forças em choque, exceto dos setores produtores de armamento, ou seja, do complexo industrial militar, que está nadando em ouro. Somente o desespero e a demência dos setores mais reacionários e belicistas da burguesia americana e europeia podem justificar tamanha insanidade que é contra os interesses do capitalismo em sua totalidade.
Toda a pregação pseudo liberal de livre empresa, de estado mínimo e de desregulamentação do mercado foi por terra, diante das intervenções de todos os estados e mesmo de organizações internacionais como a OTAN, organização militar sob o controle dos EUA. Uma guerra não pode ser ganha com a livre empresas mais sim com o mais rígido planejamento e intervenção estatal. Os americanos ditam as ordens e, através da OTAN e da União Europeia (UE), impõem sua vontade às nações mais desenvolvidas, com a intenção de bloquear a Rússia e exaurir sua economia. Por conta disso, eles têm violado todos os princípios das relações entre capitalistas com os bloqueios comerciais e financeiros às empresas russas e às reservas do país depositados nos bancos internacionais. Nessas circunstâncias, empresas e mesmo países perdem a confiança em deixar suas reservas em dólares e em bancos dos países ditos desenvolvidos. Quem está seguro? Todos estão a mercê dos humores belicistas do império. Como os fantoches que dirigem os principais países europeus perderam a vergonha e o brio nacional, perderam também a credibilidade.
Não satisfeitos, os EUA estenderam sua fúria aos chineses determinando restrições às relações com este país. A retaliação foi imediata. É olho por olho, dente por dente. O resultado tem sido desastroso. Os russos já vinham reagindo abrindo suas relações para o resto do mundo, aproximando-se da China, Índia, Oriente Médio, África etc., encontrando aí consumidores para seus produtos. Os chineses não ficaram atrás. Ampliaram suas ações para outros países estimulando as relações sul-sul que se intensificaram. As suspeitas contra os bancos americanos, europeus e internacionais aumentaram. O movimento de fuga ao dólar americano, como moeda de referência, que, desde o início dos anos 2.000, já se vinha intensificando, ampliou-se.
As restrições impostas pelos EUA prejudicam os interesses das próprias empresas do país e, particularmente, das empresas europeias, obrigadas a pagar mais caro pelos combustíveis e energia. A proibição da venda de Chips para a China, por exemplo, provocou, em julho, o protesto da Associação da Indústria de Semicondutores, com sede nos EUA, afirmando que estas medidas “…correm o risco de diminuir a competitividade da indústria de semicondutores dos Estados Unidos, … causando incerteza significativa no mercado e provocando retaliação crescente e contínua por parte da China, …”. A estupidez das tais medidas torna-se evidente, pois quase um terço da venda de semicondutores no mundo saiu da China. Diante dos protestos, os americanos suspenderam a proibição para Taiwan e Coreia do Sul.
As ações ocidentais também repercutiram na recente reunião dos BRICS, realizada na África do Sul. Além do seu fortalecimento, o grupo foi ampliado com a admissão de mais seis novos membros: Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia. Apesar das diferenças e divergências entre eles, do ponto de vista geoestratégico, o grupo passa a controlar a produção mundial do petróleo e dos combustíveis fósseis além de representar 40% do PIB mundial e mais de 50% da população do planeta. É bom lembrar ainda que um dos países membros possui o maior arsenal nuclear do mundo. Este novo polo está atraindo outros países e já existe uma fila de quase 40 pretendentes desejosos de participar.
Outra prova evidente da ampliação das relações sul-sul é o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (banco dos BRICS), que se apresenta como alternativa ao FMI e ao Banco Mundial. Além disso, a perda da confiança no dólar tem levado à busca de alternativas para a criação de outra moeda de referência para as relações comerciais internacionais. A ideia foi aprovada e agora os Brics estudam como torná-la realidade.
Eis os sinais da decadência do império que, embora muito agressivo, passo a passo, vai perdendo seus dentes.