O semitismo e o tecido social forjado no patriarcado
Ela subverte valores, cria ou distorce novos valores com base na cultura onde está estruturada. Está edificada numa estrutura patriarcal, eurocentrada, colonial, e de tal forma, age muitas vezes sob a ótica da perversidade leviana que destrata, detrata e assassina mulheres, sejam elas cis, trans, brancas, pretas, candoblecistas, não religiosas e até mesmo cristãs. O até mesmo é utilizado aqui pelo fato de que o cristianismo se estabeleceu como uma religião hegemônica em boa parte do mundo, com cerca de 2,4 bilhões de adeptos e adeptas em todo mundo.
O cristianismo faz parte de um grupo de religiões denominadas “religiões semitas”, do qual também fazem parte o islamismo e o judaísmo. O termo semita refere-se a um grupo de pessoas cuja origem é atribuída a Sem, um dos filhos de Noé que, segundo relato bíblico constante no livro Genesis, foi o pai de todos os hebreus que se estabeleceram em Canaã através do patriarcado de Abraão. Portanto, os semitas são aqueles que acreditam no Deus de Abrão e, de tal forma, se refere a um grupo de religiões monoteístas e abraâmicas que têm origem no oriente médio.
Para fundamentar a questão e compreender como as religiões patriarcais pervertem o tecido social e subvertem as relações de poder, faz-se necessário explicar que astradições e textos das religiões semíticas têm estruturas patriarcais. No judaísmo, por exemplo, as leis e narrativas bíblicas refletem uma sociedade patriarcal, na qual os homens têm autoridade sobre as mulheres. No cristianismo, especialmente nas suas origens, e no islamismo, textos e práticas também podem refletir e reforçar uma estrutura patriarcal. Mas é importante compreender que a influência patriarcal não é exclusiva das religiões semíticas, mas o semitismo, definitivamente, influenciou e influencia quanto ao surgimento de novas práticas religiosas erigidas sobre a estrutura cultural predominante, logo, sob a égide do patriarcalismo.
Trago essas questões para falar sobre como o patriarcado se utiliza da religião para subalternizar e oprimir os grupos vulnerabilizados socialmente, o que inclui as mulheres pretas, brancas, pardas, cis e trans. Todas são mulheres, e mulheres conscientes e empoderadas, representam sempre uma ameaça ao sistema patriarcal. Importante reforçar o significado do termo patriarcado que consiste é um sistema social no qual os homens detêm o poder primário e predominam em papéis de liderança nas esferas da política e sociedade, influindo na formação moral, familiar e da coletividade.
Aqui se começa a costurar essas tessituras sociais e culturais. A religião, engendrada nesse sistema patriarcal, é uma assassina fria e cruel de mulheres, de vidas que já nascem sob a vulnerabilidade, das pessoas invisibilizadaspara as quais, muitas vezes, ver-se a pregação da conformação social, não é a toa que muita gente que o sistema despreza acredita que a vida é assim porque Deus quer! Há nesse sistema algo que chamo de pirâmide hierárquica do genocídio contra as mulheres, as mulheres negras e de matriz afro-religiosa são, sem dúvida alguma, as que mais morrem nas mãos do sistema. Os dados estão aí para mostrar. Isso porque os sistemas patriarcais frequentemente buscam controlar a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sua existência. No contexto do aborto, por exemplo, isso pode se manifestar através de legislações restritivas que limitam o acesso das mulheres a serviços de aborto ou impõem requisitos que dificultam a decisão de interromper uma gravidez. Além disso, a desigualdade social e econômica pode limitar o acesso ao aborto em casos de estupro ou de situações de abuso. Mulheres de baixa renda, muitas vezes desproporcionadamente afetadas por estruturas patriarcais, enfrentam maiores barreiras para obter cuidados de aborto seguros e acessíveis. As religiões patriarcais, como é o caso das religiões semitas, influenciam na criação de políticas públicas e debates sociais, frequentemente refletindo uma perspectiva que não considera plenamente a autonomia e as circunstâncias individuais das mulheres. Aqui está o ponto central da perversão da religião no tecido social forjado sobre a ótica patriarcal.
Nesse contexto patriarcal, a luta por direitos reprodutivos também envolve a contestação das estruturas patriarcais que limitam e tolhem a autonomia feminina. As religiões com tradição semita são fundamentais para a manutenção do status quo patriarcal. No entanto, éimportante notar que, ao longo do tempo, muitas comunidades, dentro dessas tradições, têm desafiado e reinterpretado os aspectos patriarcais de suas práticas religiosas. Movimentos feministas e de igualdade de gênero têm promovido, através de muita luta, sangue e suor, mudanças importantes e necessárias, levando a novas interpretações e práticas mais igualitárias. No entanto, estamos muito longe de obter uma sociedade justa, equânime e com justiça social, na qual homens e mulheres vivam sob o guarda-chuva de uma sociedade minimamente matriarcal.
De acordo com as considerações supramencionadas, conclui-se que a relação entre semitismo e patriarcado, assim como a relação entre política, religião e cultura, é uma relação sensível e que precisa de análise contínua, pois envolve considerações teológicas, históricas e socioculturais para a compreensão da conjuntura na qual vivemos. É a partir dessa compreensão que podemos seguir na luta por uma sociedade cujo tecido social seja forjado no afeto, na coletividade, na empatia e na igualdade de direitos, transformando os espaços e garantindo as existências plurais, diversas e inclusivas, sem que o tecido social seja pervertido. No entanto, é preciso lembrar que essa árdua luta deve ser uma constante, pois, como afirma a filósofa Sueli Carneiro, “a liberdade exige uma vigilância persistente, que a conquista de direitos é uma luta permanente”. Além disso, no processo cotidiano e dialético do enfrentamento ao patriarcado fundamentado no semitismo religioso, precisamos ter a consciência de que o empoderamento de outras mulheres é o único caminho contra a opressão, o único caminho para que a história seja reescrita pelas mãos das mulheres donas de seus corpos e mentes e que escrevem sua própria história.
Referências:
SANTANA, Bianca. Sobrevivente, testemunha e porta-voz – Entrevista com Sueli Carneiro Revista Cult. Maio, 2017. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/sueli-carneiro-sobrevivente-testemunha-e-porta-voz/