Quais as esperanças de felicidades no ano de 2023?

Nem deu tempo de completar os votos de feliz ano de 2023 e já estouravam os acontecimentos em Brasília. Inesperada foi a facilidade com que os golpistas se apossaram das instalações sedes dos Três Poderes da República. E as ações são tão loucas que o difícil é encontrar explicações. Pretenderam dar um golpe destruindo os prédios?  Tudo indica que pretendiam permanecer lá assumindo os Poderes que os prédios representam. É evidente que a coisa não deveria ter terminado aí. As ações certamente deveriam ocorrer em outros pontos do país. Supõe-se que pretendiam provocar o caos que justificasse uma intervenção das forças armadas.

Não resta dúvida que as forças de segurança estiveram coniventes durante todo o tempo. Já estavam contaminadas com sua participação no governo Bolsonaro e vinham tolerando os vários atentados que foram cometidos durante os quatro anos do mandato do capetão. Mas, o mal vem de longe. A anistia irrestrita acordada como compromisso pelo fim da ditadura, que anistiou também os militares torturadores e seus cumplices, entre os quais estava toda a estrutura de comando das forças armadas, foi um estímulo à continuidade das ações golpistas. Lamentavelmente esta anistia deixou nas mãos dos mesmos militares o comando e a formação dos novos oficiais que foram cuidadosamente doutrinados com a mesma ideologia da ditadura. Além disso a anistia aos torturadores vulgarizou e endossou esta prática como normal a ponto de permitir que um deputado, dentro da própria Câmara, elogiasse torturadores e se declarasse partidário da tortura, impunemente. O passo seguinte foi dado pelos generais quando passaram a reescrever a história e considerar o golpe como “movimento militar” que libertou o país do comunismo. Tentaram reescrever a história desmentindo os relatórios das “comissões da verdade” que apuraram as atrocidades cometidas. 

Parece não haver dúvidas de que os acontecimentos foram planejados com a cooperação ou conivência das forças aramadas. É inexplicável como os generais comandantes dos quarteis permitiram que suas instalações fossem usadas como base de apoio de bandidos, protegendo-os e impedindo as tentativas de desalojá-los. Está sendo provado que parte dos terroristas que vandalizaram a praça dos três poderes partiram do acampamento em frente ao QG do exército em Brasília e que os militares encarregados de defender as instalações dos três poderes facilitaram o acesso não oferecendo resistência aos invasores. Foram divulgados vídeos mostrando isto. Não há como não responsabilizar os comandantes destes destacamentos. O mínimo que se espera é que estes generais sejam destituídos dos comandos bem como seus superiores. Sem uma limpeza geral nas forças armadas, incluindo as polícias, dentro de algum tempo, seguiremos para um outro golpe. Este está funcionando como um ensaio geral. 

  Falta ainda orientar as investigações em direção aos financiadores e aos organizadores e incitadores entre os quais, certamente, encontram-se empresários e políticos, alguns já bem conhecidos. Vamos ver qual será a posição do parlamento para punir seus membros golpistas. Qual será o comportamento da sociedade civil?

O governo Lula tem assim um novo problema para começar a sua gestão: apurar os fatos e punir os culpados pela tentativa de golpe de estado. Só isto vai criar grandes tumultos e dificuldades pois inevitavelmente terá de mexer no setor militar e jogar na reserva muitos oficiais, cassar políticos, bloquear bens e prender empresários. Além disso tem de continuar gerindo a grande frente que conseguiu juntar e que certamente enfrentará contradições diante do choque de interesses que surgirão. E não falamos ainda nos problemas econômicos que estão em marcha.

Com efeito, na Análise passada falamos na fase de crise em que está entrando o ciclo econômico no país, agravado por um panorama internacional que caminha para uma grande recessão. Falamos também que, no nosso caso, o ciclo foi deformado e agravado por fatores não econômicos: a pandemia do covid-19, a guerra da Ucrânia e as eleições. Destes fatores já nos livramos das eleições e do covid-19 que está sob certo controle. Da guerra não temos como nos livrar e teremos de suportar todas as consequências que nos atingem pelo comércio e com a desorganização dos processos produtivos e das cadeias de suprimentos. Fica a esperança de que o presidente Lula, com seu prestígio, consiga abrir novas oportunidades a nível internacional. A nível interno também temos esperança de que a política econômica seja mais inteligente e contribua para a adoção de medidas anticíclicas que estimulem a recuperação. 

Outro inimigo perigoso com o qual o governo terá de conviver, ainda no terreno da economia, é o Banco Central (BC) e sua ideologia no combate da inflação que recomenda um único remédio: a elevação da taxa de juros. A Selic, taxa de juros praticada pelo BC, que seve de referência para todas as outras, e é uma das mais altas do mundo, (13,75%) pode continuar a ser elevada, com consequências negativas para a recuperação da economia. Embora se saiba que as causas imediatas da atual inflação não estão do lado da demanda, mas nos acontecimentos internacionais sobre os quais não temos nenhuma influência, (preços da energia, combustíveis e commodities), o BC continua sua política suicida diante do processo de desaceleração que se mantem. Com efeito, os dados mostram que a inadimplência em 12 meses cresceu 1,2% e que o IBC-Br, indicador calculado pelo BC, e que é considerado um antecedente do PIB, em novembro passado, mostrou uma desaceleração de -0,55%. Esta é a quarta desaceleração consecutiva. 

As tarefas do novo governo para este início de ano são, portanto, muito complexas: manter a frente ampla representada no seu ministério, investigar e punir os golpistas, reestruturando os comandos das forças armadas e polícias, por em ordem todos os ministérios deixados sem recursos e ao abandono e sem nenhuma política, equilibrar o orçamento, construir uma política de inserção do país no panorama mundial alterando sua imagem tão destruída, cuidar da economia com as tarefas imediatas de combate à fome e à desigualdade e as tarefas de médio e longo prazo de reindustrializar o país etc. ou seja, construir o caminho de volta da barbárie à civilização.

E tudo isto com olho nos golpistas que continuarão a conspirar a todo momento, tendo como suporte forças militares reacionárias e uma burguesia fraca, covarde e conservadora. 

É preciso que as forças progressistas estejam vigilantes e preparadas para a próxima investida, que, “cedo ou tarde, será tentada. É só alguma fração relevante da burguesia o desejar. Os militares já mostraram que ainda estão dispostos a embarcar nesse tipo de aventura”. 

Para termos felicidades em 2023 temos de nos preparar para grandes batalhas.

 

Foto: Reprodução / Flickr Lula Oficial