Opinião

Marco legal do saneamento básico abre caminho para privatização da água

Se a água for privatizada e tratada como mercadoria, seremos escravos - Rede Brasil Atual

Dizem que onde passa boi, passa boiada. O Senado tratou de fazer jus ao ditado quando aprovou o marco regulatório da água. A meta é universalizar o serviço: é fazer com que 99% da população tenham acesso a água tratada, e 90% a esgotamento sanitário até 2033. O problema é que a nova legislação abre caminho para a privatização da água. Isso pode levar a tarifas abusivas. Ou seja, na prática, a água estará disponível, mas nem todos poderão pagar por ela. Outro ponto: qual a garantia de que os mais pobres, periféricos terão acesso a esses à agua e esgoto tratados? O texto não diz.

E qual o problema de privatizar a água? Ora, esse é um bem universal, reconhecido constitucionalmente como bem público. Não pode ser explorada como objeto de lucro, mas empresas existem para ter lucro. Então a privatização atende a interesses de grupos econômicos. Se a lei não exige a universalidade da prestação do serviço, se não há garantias quanto isso, empresa nenhuma vai levar água para confins da terra porque isso significa prejuízo. Simples assim.

Na Paraíba, O lampejo de bom senso quando da discussão veio do senador Veneziano Vital do Rego, líder do PSB e do bloco Parlamentar Senado Independente. Votou contra. Os demais, Daniella Ribeiro (PP) e José Maranhão (MDB), endossaram o projeto. O que Veneziano queria era discutir melhor o projeto, era deixar para votá-lo em reuniões presenciais que possibilitam um melhor debate. Tudo para garantir que as populações mais vulneráveis fossem atendidas.

O PT tentou suspender a votação. Foi voto vencido.  PT, PSB, PDT, DEM, Podemos, Pros e Cidadania apresentaram destaques, ou seja, propostas de melhoramento do texto para garantir as metas de universalização do serviço, mas a maioria rejeitou porque qualquer mudança implicaria na volta do projeto à Câmara dos deputados, onde ele foi aprovado em dezembro de 2019. Passaram essa bola para o presidente da república. Jair Bolsonaro o projeto com vetos. Mas as mudanças em nada contrariaram os interesses do mercado, nem entraram em desalinho com sua política neoliberal e entreguista. É mais um movimento regressivo, que atenta contra os direitos universais e os interesses da coletividade.

Essa prática não é nova. Quarenta anos atrás a França privatizou a gestão dos recursos hídricos e deu com os burros n’água. Duas décadas depois reestatizou o serviço porque o setor privado não conseguiu cumprir o contrato, foi ineficiente e ainda onerou o serviço para o consumidor.  A Itália enterrou o assunto depois de a população rejeitar a proposta em um Referendo. Na América Latina temos o exemplo do Uruguai onde a água é de domínio público e o Estado é o gestor. Em todos esses lugares se reconheceu o valor social da água.

No Brasil, muitas cidades seguiram o caminho da privatização. Há seis anos, foi Maceió em Alagoas. Levantamento da Folha aponta que esse movimento cresce de 1995. Desperdício e o roubo de água limpa e tratada são as justificativas. De fato, a perda de água caiu de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, mas a privatização não impediu a falta dela. Em muitas cidades, as torneiras secaram e as tarifas aumentaram. Sem falar que o Estado deixou de arrecadar. Estado que tem obrigação de preservar e manter o sistema para promover justiça social e assegurar que todos tenham acesso a ele.

Muitos dirão: “o poder público não presta um bom serviço”. E sabemos que há problemas. Na Paraíba, há municípios onde a distribuição de água por parte da companhia de água e esgoto é precária. Na capital, onde a cobertura de água tratada chega a 100%, e a de esgoto a 75% de acordo com o Instituto Trata Brasil, há bairros onde a falta de água é recorrente. Mas privatizar pelo que aqui já foi exposto não parece a melhor solução… No mínimo a questão pede discussão ampla, aprofundada e responsável. Tudo o que faltou na aprovação do projeto pelo Senado.