Opinião

O decreto de João: restrição é remédio amargo. Precisava disso?

Em cinco dias, contando já a partir do dia 15 (de 15/12 a 19/12), a Paraíba registrou novos 5.196 casos de Covid-19. Também foram confirmadas mais 77 mortes pela doença no período. Os dados da Secretaria de Saúde do Estado mostram que voltamos a índices altos, só registrados em julho e agosto, ou seja, nos meses mais críticos da pandemia no Estado. Modelo estatístico criado por pesquisadores do Instituto de Matemática da Universidade de São Paulo (USP) que mede a evolução dos casos no país, coloca a Paraíba entre os 17 Estados com crescimento rápido de novos infectados.

Muitos jogaram a culpa nas eleições. Indiscutivelmente o período de campanha e a aglomeração de candidatos e eleitores teve sua parcela de culpa. Os números disponibilizados pelo governo do Estado mostram que entre 15 de novembro e 13 de dezembro, nos 14 dias pós primeiro e segundo turnos das eleições, houve um repique considerável com uma média de 700 casos diários  – exceção nos fins de semana quando há uma queda nos registros. Aumento também no número de mortes diárias.

Nesta segunda-feira (21), porém, novo decreto do governo do Estado colocou um segundo fator no centro do debate e do recrudescimento da pandemia da Covid-19: o funcionamento de bares e restaurantes. João Azevêdo limitou a atividade desses estabelecimentos neste fim de ano.  Uma medida restritiva mais dura para evitar arroubos de desrespeito às normas sanitárias.

Azevêdo contrariou interesses. Falo do segmento que fez pressão pela reabertura em nome da própria sobrevivência e da conservação dos empregos. Tanto fez que,  em julho, o prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PV) anunciou a volta de bares e restaurantes e, em setembro, ampliou o horário de funcionamento. Era uma tendência no país, assim como a retomada de restrições o é agora. A Paraíba nao está isolada do resto do país: São Paulo adotou medidas neste sentido para reduzir o movimento. Brasília também, e o Rio Grande do Sul. Isso só para citar alguns exemplos. Aqui era questão de tempo, mesmo que durante breve período.

Por mais que empresários do setor digam que não, a aglomeração de pessoas nesses ambientes é fator de preocupação. É o que mais tem se visto nas noites da capital. Muita gente junta, sem distanciamento e sem máscara. Um convite à contaminação pelo coronavírus. Um dos coordenadores do Comitê Científico do Consórcio Nordeste e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, é taxativo quanto a isso: “a nossa avaliação é que esse agravamento [da Covid-19] é resultado do afrouxamento das medidas restritivas”, afirma.

O momento pede bom-senso e o chamado remédio amargo. Na falta do primeiro, o Estado entra com o segundo: seu poder de polícia. Apesar de críticas severas ao novo decreto, principalmente por parte de representantes de bares e restaurantes, o que muitos não enxergam e compreendem, e por isso apelam para os direitos individuais e o respeito à liberdade de cada um, é que nenhum direito é absoluto e que, na dúvida, o interesse coletivo deve prevalecer. No caso concreto: o que se procura aqui é preservar a saúde e evitar colapso na rede pública de tratamento na Paraíba onde mais de 3 mil pessoas já morreram depois de infectadas pela Covid. É um choque. Forte,  mas necessário.

Há, no entanto, outra crítica oportuna e necessária feita por empresários de bares e restaurantes. Dizem que faltou fiscalização e punição para quem descumpria os protocolos de segurança. Fato. Todavia, se houve a inércia antes, é preciso ação já. A restrição em debate não é partidária, mas é política. Claro! A omissão do gestor pode incorrer em crime de responsabilidade. Mais que isso: pode resultar no aumento significativo de mortes.

A pergunta que fica é: e depois? Há um temor de novo fechamento das atividades econômicas. Não é pra menos. Para evitar novamente colapso do setor e nova onda de desemprego, a solução vem da ciência. Pesquisadores das Universidades de Stanford e Northwest defendem um plano diferenciado com estratégias inteligentes baseadas na mobilidade da população e voltadas para cada tipo de negócio/estabelecimento. A ideia é mapear a origem, o destino, o tempo médio de permanência e o número de pessoas nesses locais. A partir daí,  estabelecer regras de funcionamento.

Dá pra fazer isso aqui? “Dá perfeitamente!” Palavras de Sérgio Rezende. Ele continua: “nós não precisamos voltar a um lockdown como tivemos nos meses de abril e maio. É possível fazer um certo escalonamento com horário mais amplo de funcionamento do comércio e número limitado de pessoas…Não é possível fechar novamente.”

Ferramentas pra isso nós temos! O governo já faz o mapeamento da taxa de isolamento social  e sabe onde estão os pontos e momentos mais críticos do dia e da noite, e os mais satisfatórios. Resta sentar com os envolvidos e desenvolver um plano. Isso, obviamente, exige um tempo maior de estudo de modo a chegar em um modelo satisfatório. Exige também, e principalmente, parceria entre o público e o privado. O esforço tem que ser de todos. Até lá, não há o que fazer. Parafraseando Caetano Veloso: restringir é preciso.