Opinião

O medo do comunismo capturado pelo Ipec é produto da antipolítica que assombra o país

Pesquisa Ipec (antigo Ibope), realizada de 2 a 6 de março e divulgada domingo (19), trouxe a percepção da população sobre o governo Lula: aprovação, desaprovação, nível de confiança e o medo das pessoas do comunismo. Natural que os que votaram no petista, em sua maioria, aprovem a gestão (77%), e que o contrário também aconteça: os que votaram em Bolsonaro a reprovem (54%). Não surpreende que a melhor avaliação de Lula esteja no Nordeste (53%) e que haja uma grande rejeição no centro-oeste e no norte do país (31%).

Não é nenhuma surpresa também que, no recorte por religião, 1/3 dos evangélicos classifiquem a gestão do petista como ruim ou péssima visto que muitas lideranças religiosas, em sua maioria evangélicos neopentecostais, trabalharam pela eleição de Jair Bolsonaro, reproduzindo, inclusive, desinformação dentro dos templos.

Os números são reflexo de uma eleição recente, altamente polarizada. Polarização acentuada pelas fake news produzidas em escala industrial e bancadas, em grande medida, com dinheiro público do Planalto e de gabinetes de deputados conforme demonstraram investigações da Polícia Federal, a pedido Supremo Tribunal Federal (Inquérito 4781/DF, 2019), e do Congresso Nacional, via CPMI das fake news – CMPI que acabou suspensa com a pandemia da Covid-19.

Então o que a pesquisa Ipec nos traz é cenário de relativo conforto para Lula embora a aprovação geral da gestão do petista (41%) esteja abaixo da avaliação dos dois primeiros mandatos. Trago as palavras de Carlos Augusto Montenegro, que presidiu o Ibope, em entrevista à Carta Capital: “toda comparação é válida, mas tem que ressaltar o seguinte: nos primeiros anos do Lula e da Dilma, o ambiente político no Brasil era totalmente diferente. Tinha o PT na centro-esquerda, mas não tinha o outro lado [extremistra] como tem agora. Agora, às vezes, um 41% valem mais do que 50% de 20 anos atrás” disse.

Mas a pesquisa nos traz mais: um raio-x do antipetismo, que nasceu com o PT na década de 80 e foi amplificado mais tarde com a reorganização da direita tradicional e o surgimento de novas direitas, com o golpe contra Dilma Rousseff (PT) em 2016, com a criminalização da política como consequência do avanço do lavajatismo e, mais tarde, com a explosão de um sentimento antipolítica materializado no bolsonarismo.

O levantamento Ipec mostra o poder deletério dessa antipolítica nos 44% da população que nutrem receio da implantação do regime comunista no Brasil. A volta do fantasma vermelho, ou sua reciclagem, foi um dos projetos mais bem sucedidos do bolsonarismo. Mexer com medos do eleitor, inflamar esse temor pelas vias da desinformação e na crença equivocada que deriva da ignorância funcionou! Tanto que esse grupo, capturado pelas fake news despreza o fato de que a eleição de Lula foi resultado de uma frente ampla, com partidos de esquerda, de centro e de direita.

A pauta “comunismo” tem função política assim como a mentira: alimenta a polarização no que cria um inimigo e o desumaniza, reforçando preconceitos. Isso facilita a manipulação. Cria ainda uma cortina de fumaça para desviar a atenção da falta de investimentos capazes de melhorar a estrutura da saúde, da educação, da assistência social e de combater problemas reais como as desigualdades, a fome, a pobreza, a miséria, a violência e o desemprego.

Logo, a pesquisa Ipec reforça a urgência do combate às fake news porque estas são capazes de alterar a percepção da realidade e influenciar decisões. Há uma intenção dolosa em quem as usa como arma política: corroer lenta e gradualmente a democracia. É preciso minar o processo de produção, distribuição e financiamento de fakes news com fins políticos.

Nesse sentido, um passo importante partiu do governo. Foi criada recentemente a Secretaria de Políticas Digitais dentro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência para combater desinformação e o discurso de ódio à luz das regras do jogo democrático e para garantia do estado de direito, o que exige um debate franco e transparente sobre a regulação das Big Techs, as gigantes da tecnologia como Google, YouTube e Facebook. E não basta! É preciso ir adiante: pensar leis que promovam a liberdade de expressão e a pluralidade da mídia, ao tempo que punam quem produz e difunde conteúdo fraudulento.